Cheiro napalm logo pela manhã

OPINIÃO15.02.202106:05

Como passou o futebol a servir de mote para agressões, para colocar vidas em jogo?

CHEIRAS isto? É napalm, filho. Nada mais no mundo cheira assim. Adoro o cheiro do napalm pela manhã! Sabes, uma vez bombardeámos um monte por 12 horas? Quando tudo terminou, avancei e não encontrei nenhum deles, nem um cadáver malcheiroso. O cheiro, sabes aquele cheiro a gasolina? O monte inteiro! Cheirava a… vitória. Um dia esta guerra vai acabar - Bill Kilgore podia ser protagonista no futebol português, um Apocalipe Now com todos os extras a que temos direito.
‘Charlie’ é o inimigo comunista, invisível, camuflado na selva ou nos arrozais, e à espreita. A certa altura, todos nós passámos a ver Charlie em todo o lado, todos passámos a ser Charlie muito antes do ataque ao Charlie Hebdo. Passámos a ser todos viet cong, à espera que o napalm caia noutro lugar.
Já não sei quantas vezes perguntei isto, mas por que detestamos futebol? Por que razão odiamos o desporto? Em que momento da nossa história achámos normal a esquizofrenia de encontrar o inimigo num amigo, num irmão, familiar ou num desconhecido, que não conhecemos de lado nenhum? Teorias da conspiração, ameaças a árbitros, jornalistas, atletas, treinadores, um ruído ensurdecedor antes e depois de um jogo - este é o nosso Vietname. Em que momento o futebol passou apenas a servir para fazer pirraça, para atirar à cara, para medir não se sabe bem o quê? Como passou a servir de mote para agressões, para colocar vidas em jogo, para ser bandeira de verdadeiras batalhas diárias? Até contratámos incendiários profissionais para queimar o que as bombas pouparam, porque percebemos a força que o jogo tem, a força que deu a ditadores.
Só que o napalm não deixa ninguém para contar a história, e é este futebol que depois queremos vender. Queimado, destruído, cheio de vícios - lento e inimputável -, e sem estrelas. O meu Vietnam!