Chegará a hora do bem maior
QUEM vai ao hospital fazer o teste ao maldito coronavírus tem sempre de aí ficar dois dias à espera do resultado e, mesmo que este seja negativo, a probabilidade de passar a infetado durante a permanência no espaço é enorme. Duas portas mais à frente, já não se garante nada. É melhor tentar outra via. Diz o médico que sustém a primeira, aquela que só abre por dentro, e segura uma máscara que se sente obrigado a oferecer. O que mais dói na pandemia é a solidão. Se as dores fizerem com que desvalorizemos o risco, podemos não voltar a ver quem mais amamos. De um momento para o outro, sem sequer nos termos despedido. Podemos passar a ser apenas um número a engrossar uma estatística feia e assustadora. Isolamo-nos hoje para não ficarmos ainda mais isolados quando já não der para dar a volta. Tem de ser. O silêncio é ensurdecedor enquanto caminhamos na dúvida, o mesmo silêncio que nos invade da janela para dentro, interrompido de quando em vez por um carro - corajoso, imprudente ou apenas necessário - a passar. Não há risos de crianças. Não há vozes a desconversar. Nem em surdina. Não há uma bola a saltar, a bicicleta que serpenteia, entre toques aflitos de campainha, a multidão imaginária. Estamos dentro de um filme apocalíptico, com a música em crescendo a insinuar-se como o destino. Por vezes ao engano. Felizmente.
Podemos, mesmo assim, pensar no jogo? Claro que sim. Mas sem pressa. Abril está aí. Esqueçam maio, apontem para lá de junho. O futebol não voltará tão cedo, e se voltar colocará tudo em causa, trará ainda mais silêncio e solidão, e não sei se aguentaremos. Se não der para voltar em tempo útil por culpa do efeito dominó, será preciso coragem para tomar decisões no meio da falta de consensos. É altura de todos, mas sobretudo este país, sabermos escolher o bem maior, seja este qual for.