Chega ou não chega?

OPINIÃO04.07.202306:30

A violência é um dos principais motivos pelo qual o número de árbitros em Portugal é reduzido

T ENHO para mim que a violência sobre agentes de arbitragem continua a ser um dos fenómenos que mais ameaça o futebol em Portugal. É verdade que na sua génese existem motivações de caráter social, cultural e económico, que nada têm a ver com desporto. Também é verdade que acontece em outros locais, de forma transversal. Mas reconhecer a sua universalidade nunca foi o problema. O problema foi nunca termos aprendido a combatê-la, de forma assertiva e eficaz, cá dentro, em nossa casa, como é nossa responsabilidade e obrigação.

Não sei se têm bem noção, mas os números de agressões são absolutamente inacreditáveis. E ao contrário do que se desejaria, não houve melhorias nos últimos anos. Pelo contrário.

A soco ou a pontapé, ao empurrão ou à peitada, à cuspidela ou à pedrada, há de tudo um pouco e para todos os gostos. Admissões às Urgências, idas a Pronto-Socorros e queixas nas autoridades policiais também. A nível distrital, onde o futebol não tem o alcance e notoriedade do profissional, os atos de violência acontecem quase todas as jornadas. Os árbitros mais jovens são o alvo preferencial da ira desgovernada de mentecaptos com hormonas descontroladas e cérebros de ervilha. Sabem porquê? Eu também não. É que nunca há motivo para uma pessoa bater noutra, sobretudo quando o agredido é alguém que está legitimado para fazer o seu trabalho. Bater num árbitro ou em qualquer outro agente desportivo não tem justificação nem atenuante, mas eles - os doentes - conseguem sempre arranjar um motivo qualquer: assinalou erradamente o penálti, expulsou mal o jogador, foi provocador, foi injusto com o treinador, enfim. Tudo serve para o bandido praticar banditismo.

Como é fácil de perceber, este é um dos principais motivos pelo qual o número de árbitros em Portugal é reduzido. Que pai sensato está disposto a deixar o seu filho ingressar na arbitragem, sabendo que ele pode ser mandado para o hospital por um desvairado qualquer? Quem se sente seguro assim? Não é suposto a organização de cada evento garantir a segurança dos seus intervenientes? A quem cabe afinal a responsabilidade de proteger jogadores, técnicos e árbitros, quando estes estão em funções?

A sensação que dá é que não cabe a ninguém, porque a violência não dá tréguas e as vítimas são quase sempre os suspeitos do costume.

A forma como este tema tem sido negligenciado pelos responsáveis da indústria é inadmissível. Poucas foram as medidas implementadas e muito poucas as alterações regulamentares impostas com resultados concretos. Os factos não enganam (os vídeos que vamos vendo também não).

Há mais, muito mais por fazer. Os clubes raramente são responsabilizados por agressões que acontecem nas suas instalações, os agressores raramente são afastados, as coimas raramente são dissuasoras. Nada é excessivo e exemplar. Tudo é leve, demorado e ligeiro. Muito ligeiro.

No meio de tanta inércia, um elogio para a Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto pelo passo dado em frente, ao propor a aprovação de um pacote de medidas capazes de enfrentar este e outros cancros que assolam o desporto em Portugal. Sabemos que leis sem fiscalização e controlo jamais serão eficazes, mas a identificação do problema está feito e fez mexer o poder político. Bem.

Deixo aqui um apelo sincero a todas as associações de futebol do país (também à FPF e à Liga Portugal) para que priorizem este tema. Coloquem-no no topo das vossas agendas. O vosso papel, na prevenção e penalização, pode ser determinante na forma como erradicamos a pior das manchas que temos neste desporto, que mexe com a alma e coração de todos nós.

Não deixem chegar ao dia em que ninguém vos perdoará a omissão.