Cem e... duzentos!...

OPINIÃO19.10.201901:31

Curiosamente escrevo hoje o meu 200.º artigo neste jornal justamente no mesmo dia em que se encerra o centenário da morte de José Alfredo Holtreman Roquette, mais conhecido como José Alvalade, fundador e primeiro sócio do Sporting Clube de Portugal.
Nasceu a 10 de Outubro de 1885 e viria a falecer, com apenas 33 anos de idade, no dia 19 de Outubro de 1918. Há um ano parecia ter-se encerrado uma crise sem precedentes, mas, um ano depois, embora com contornos diferentes, vivemos uma nova crise acerca da qual não poderemos dizer que não tem precedentes. É, aliás, em minha opinião, uma crise estrutural, ao contrário da vivida em 2018, que, pelo seu ineditismo, não podemos deixar de a considerar conjuntural, e, como tal, teve de ser resolvida e foi resolvida. Mas não resolveu a estrutural, que permanece e permanecerá enquanto não for enfrentada de frente, com a verdade a vencer a mentira, a serenidade a triunfar sobre o tumulto, a realidade a acordar o autismo e, sobretudo, a humildade à frente da arrogância.
E era bom que justamente neste tempo de encerramento do centenário da morte do fundador do clube que ele queria, e é, «grande entre os grandes», ele fosse tomado como referência de pensamento e acção, no desígnio por si proclamado de um «grande clube, tão grande quanto os maiores da Europa», que teremos de continuar a ser, para que o Sporting não se sinta envergonhado de nós! Nós não nos envergonharemos nunca de ser do Sporting, mas temos de fazer tudo para que a história do Sporting se não envergonhe de nós!
Num escrito a que tive acesso, e que muito em breve verá a luz do dia, transcreve-se uma afirmação de Salazar Carreira: «Quando um dia se escrever a história do nosso clube, já cheia de páginas de glória, ligando intimamente a sua vida à vida do desporto português, salientar-se-á formidavelmente a influencia indirecta de José Alvalade no desenvolvimento desportivo nacional.»
Não é difícil perceber-se a importância que têm os fundadores de uma instituição, mas José Alvalade foi decisivo e era seguramente um homem de grande visão, horizontes largos e modernos, no início do século passado. Os sócios fizeram-lhe a justa homenagem ao estabelecer no número dois do artigo quarto dos Estatutos - «Em homenagem ao fundador da colectividade, o principal campo de jogos designar-se-á Estádio José Alvalade.»
Em tempo de final de centenário, parece-me de mau gosto e contra a união que se reclama, mas que se maltrata, revogar esta disposição e passar a designar o estádio com o nome, ou a sigla, do maior jogador do mundo da actualidade - pese embora toda a admiração que tenho por Cristiano Ronaldo - é mais que confundir a estrada da Beira com a beira da estrada. É uma ofensa à história do Sporting Clube de Portugal, quase a merecer a intervenção do Conselho Fiscal e Disciplinar.
A questão do naming e dos símbolos é uma questão que se deve abordar, mas não de forma ligeira ou leviana. Em tempo de congresso, já há alguns anos, escrevi:
«Curiosamente, foi aprovada uma recomendação sobre o naming remunerado das bancadas e de outras instalações como o auditório e a secretaria.» E digo curiosamente, no que respeita às bancadas, pois tal recomendação não implica alteração dos estatutos, mas alteração das bancadas, cumprindo os estatutos!...
Na verdade, nos termos do art.º 7º dos Estatutos «os símbolos tradicionais do clube são as cores verde e branca ...» e, com todo o respeito pelo autor do projecto, não são estas as cores predominantes nas bancadas do nosso estádio, como é o encarnado no Benfica, ou o azul no FC Porto. Em minha opinião, as cores das nossas bancadas não permitem namings remunerados como permitiriam as cores estatutárias. E, ainda com todo o respeito, não me pode convencer o argumento de o estádio, assim, parecer cheio. À mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer; mas o estádio do Sporting não precisa de parecer cheio, tem é de estar cheio! Parecer não proporciona receita, e, de outra forma, mesmo vazio, pode proporcioná-la!...
Bem ao contrário, o naming do estádio, que pode ser uma importante fonte de receita, não advogo a revogação desta disposição. Mas defendo frontalmente a introdução de uma disposição transitória que permita ao Conselho Directivo ceder o naming por um período máximo de x anos, renovável por deliberação da Assembleia Geral, desde que a receita da cedência seja consignada a um determinado objectivo. Seria uma receita importante, sem ofensa da história!
Estou seguro que o que defendo não ofende a memória do Visconde. Mais: se fosse vivo, e, na circunstância, a sua sensibilidade europeia e global determinaria que ele fosse o autor da proposta.

Rui Jordão

Diz o povo - e é verdade - que tristezas não pagam dívidas e é por isso certamente que andam felizes e contentes os maiores devedores e os simples caloteiros, que não pagam nada a ninguém!
Não pagam, mas apagam outras tristezas. Eu na quinta-feira à noite estava triste por mais uma derrota do Sporting Clube de Portugal e consequente eliminação da Taça de Portugal. Triste, mas não envergonhado, que uma simples derrota, ainda que com o Alverca, não envergonha ninguém. É apenas um desafio de futebol, que pode ter três resultados possíveis. Só se sente envergonhado quem tem algum peso na consciência ou não sabe dizer mais nada, ou pior, não sabe fazer mais nada. E triste me deitei a pensar se hoje não teria de perguntar, como há duas semanas, afinal o que é vergonha? Na verdade, nesse espaço de tempo, os Presidentes do Benfica e do Sporting reagem à derrota dizendo que estão envergonhados! E adormeci indignado!...
Mas voltando à tristeza, e à tristeza que apaga e desvaloriza essa tristeza da derrota, foi o coração de Rui Jordão que se apagou. Um grande jogador, um grande avançado, um homem bom e simpático, um homem do futebol, de que se afastou para ser um artista plástico, que se valorizou com a conclusão de Pintura e Desenho, Introdução à Historia da Arte, Historia da Arte do século XX, Temas de Estética e Teorias da Arte Contemporânea, na Sociedade Nacional de Belas-Artes em Lisboa. Um bom exemplo de como o futebol não enche a vida, antes pode ser uma arte que se completa com outra arte como a pintura. O futebol e a pintura podem dar belos quadros. A tela é diferente, mas o pintor foi o mesmo.
Caro Rui: ainda me lembro quando o Dr. Sousa Marques, meu querido e saudoso amigo e vizinho, te foi buscar, salvo erro, num Jaguar E a Zaragoza, para vires para o Sporting. Admirava-te como jogador, porque ainda não era dirigente do Sporting. Dois anos depois passei a conhecer-te como homem de grande valor, mas discreto, por vezes quase tímido, e como um dos donos do incontornável bar Porta 10-A (o outro era o russo Artur Correia), onde, com Sousa Marques e outros dirigentes da Direcção de João Rocha, íamos cear após as reuniões de Direcção que terminavam sempre muito tarde. Parece que foi ontem e passaram quase 40 anos. Que saudades sinto de todos esses tempos e que se traduzem na lágrima que acaba de se formar no canto do meu olho! Como tudo era diferente e bem melhor!...
Ficam as tuas últimas imagens, com aquele chapelinho a matar e a lembrar muito mais o artista pintor que o artista da bola.
E, numa altura em que a vergonha e o heroísmo se confundem num caldo de uma cultura leonina desconhecida, eu diria que as equipas do Sporting podem prescindir dos heróis, mas a sua história é feita deles e por eles, e tu, Rui Jordão, já estás na história do Sporting Clube de Portugal como figura imortal! Obrigado Jordão e descansa em paz!...