Cegueira ou pior
O Moreirense-FC Porto (o que se jogou dentro do campo), os penáltis e o «videoteipe burro»
Meu caro Nelson Rodrigues:
VOCÊ que fazia literatura da melhor que há nas crónicas de futebol que escrevia, disse um dia que não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos, que muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Apesar da sua zarolhice (de facto), brincando com ela (ou talvez não), também o disse, de outra circunstância:
- No futebol, o pior cego é o que só vê a bola…
Porém, entre as suas brilhantes (e mais poéticas) ideias a que mais vezes me assalta a lembrança é outra -aquela que você escreveu numa crónica de um Fla-Flu (vista por si com a alma nos olhos):
- A arbitragem normal e honesta conferiu ao clássico um tédio profundo, uma mediocridade irremediável. Só o juiz gatuno, o juiz larápio dá ao futebol uma dimensão nova e, se me permitem, shakespeariana. O espetáculo deixa de se resolver em termos especificamente técnicos, táticos e esportivos. Passa a ter uma grandeza específica e terrível. Eis a verdade: - o juiz ladrão revolve, no time prejudicado e respetiva torcida, esse fundo de crueldade, de insânia, de ódio que existe, adormecido, no mais íntegro dos seres. O mínimo que nos ocorre é beber-lhe o sangue.
Estando já você por aí, pelo alto da sua eternidade, lançou-se ao futebol uma das suas melhores invenções: o VAR - que suspeito que não apreciará nesse seu espírito shakespeariano (se me permite), mas eu sim, aprecio. Porém, o que, aqui e agora, pretendo de si, caro Nelson, é que aceite este meu desafio: ver o videotape do Moreirense-FC Porto (no que foi apenas o jogo dentro do campo...) - e uma suspeita eu tenho desde já: que não conseguirá dizer-me o que disse naquela esquentada discussão sobre um penálti contra o Fluminense que a televisão mostrava clarinho como água pura (penálti como aqueles sobre o Pepe e o Francisco Conceição, pelo menos...):
- Se o videoteipe diz que é penálti, pior para o videoteipe. O videoteipe é burro. E é só...