Cash...bolinha!
Parece uma história de miúdos, e daí que, em vez de Cashball, lhe chame Cash...bolinha, mas não é seguramente uma história de inocentes. Sim, parece uma história de garotos, mas não de garotos cândidos, puros, imaculados, ingénuos e, muito menos, inofensivos.
Há histórias que têm apenas um capítulo e há histórias que têm vários capítulos. Nesta história do Cashball terminou o primeiro capítulo - o capítulo da investigação pela Polícia Judiciária. Teve vários protagonistas: Paulo Silva, o denunciante, André Geraldes, João Gonçalo e Gonçalo Rodrigues, denunciados, e outros, tais como um advogado, um empresário pouco conhecido pela sua profissão, mas muito mediático pelas suas ligações, e uma jornalista. Para esta história quaisquer actores serviam, mas o cenário que quiseram pôr nela foi apenas um - o Sporting Clube de Portugal!
Muitas vezes me lembro do actor Raul Solnado e das suas histórias, que constituíram na época monólogos absolutamente hilariantes: a história da ida à guerra, a história da sua vida e muitas outras que causaram nos nossos teatros de revista gargalhadas que terminavam em lágrimas. Lembro-me de A história da minha vida, em que o actor descrevia a casa em que vivia, as pessoas que lá residiam com ele, referindo-se, a acabar a enumeração, a um senhor de fato castanho que passeava no corredor e ninguém sabia quem era!
Esta história tem, seguramente, um senhor que passeia no corredor da corrupção, cujo fato não sei se é castanho ou de outra cor, que alguns sabem quem é, e que, muito provavelmente, tramou tudo isto para tramar alguém. Não me parece que Paulo Silva seja o senhor vestido de fato castanho.
Paulo Silva é afinal acusado de três crimes de corrupção desportiva na forma tentada, ele que, na denúncia, apresentou mensagens alegadamente enviadas pelos três funcionários do Sporting e que a perícia desvalorizou por concluir que os conteúdos podiam ter sido adulterados de forma a incriminar os visados. Além do mais, nas perícias aos telemóveis de André Geraldes, João Gonçalves e Gonçalo Rodrigues não foram detectadas as trocas de mensagens. Como tal, os três são ilibados.
Não sei se o processo se encontra ou não em segredo de justiça, se é que eu sei o que é o segredo de justiça. Sei, no entanto, de algumas diligências feitas durante a investigação e que estão a vir à luz do dia através da internet, designadamente vigilâncias e escutas.
Entre elas, chamou-me particularmente a atenção uma vigilância realizada em 7 de Maio, a partir do Entroncamento, onde, pelos vistos, mora o novo fenómeno, que recebe correspondência em vários lados. Não deve gostar de emails! Em companhia não identificada, deslocou-se a Lisboa, tendo sido detectado, depois de algum tempo (cerca das 12:30), no 1º piso de um hotel na Avenida Duque de Loulé, na companhia de repórteres do Correio da Manhã. Cerca das 15 horas, jornalista, Paulo Silva e outros ficaram a conversar na entrada do mesmo hotel. O auto de vigilância contém outros pormenores interessantes, como seja o cuidado que houve em não deixar muitos vestígios daquela entrevista.
Por outro lado, apareceu transcrita uma escuta telefónica ocorrida cerca de 24 horas depois - «Conversa telefónica entre Carlos Macanjo e Paulo Silva, 08/05/2018 às 14h06m:
Carlos Macanjo (CM): (…). Ela o que me disse foi que apenas falou sobre o Freire, foi muito superficial. Que entretanto aquilo que se tinha combinado não era aquilo, que ela iria pagar 30 mil euros, 20 mil para falar de futebol e 10 mil para falar de andebol, que não tinha colhido nada de futebol, apenas a situação do Freire e que você não falou no André Geraldes, que só falou no outro, como é que ele se chama…? Paulo Silva (PS): João Gonçalves (…) Mas ela não quer pagar? CM: Ela o que diz é que não foi isso que ficou combinado. (…) Ela ficou de mandar a entrevista para eu ver e tirar as minhas conclusões. PS: Doutor, eu falei do Freire, fui perentório no Freire. Agora, eu não posso dizer se foi o André Geraldes, eu não falei com o André Geraldes como é que eu posso afirmar uma coisa? Eu deduzo.»
Estava eu a matutar naquilo em que não queria acreditar quando me chamaram a atenção para o que foi publicado na revista Sábado, sob o título, «Empresário César Boaventura admitiu estar na origem do caso Cashball»:
«Declarações foram feitas na Polícia Judiciária do Porto. André Geraldes, ex-diretor geral do Sporting, revelou contacto do denunciante do processo que lhe terá dito estar a trabalhar com Paulo Gonçalves, arguido no E-toupeira.
O empresário de jogadores César Boaventura admitiu perante dois inspetores da Polícia Judiciária ter estado na origem do processo Cashball, que envolve o antigo diretor-geral do Sporting, André Geraldes, cujo relatório final da Polícia Judiciária do Porto foi recentemente conhecido. As palavras de César Boaventura, que a 7 de maio de 2019 se deslocou à PJ do Porto para prestar declarações num processo, foram registadas por dois inspetores numa informação de serviço relativa a ‘conhecimento fortuito de informação’ relativa ao processo Cashball.
Segundo o auto, a que a Sábado teve acesso, os inspetores começam por explicar ter encetado ‘conversa informal com o referido indivíduo, no sentido de perceber as ligações existentes entre os diversos agentes do futebol’. ‘No meio da conversa e quando se falava de intermediários’, continua o auto, ‘César Boaventura puxou como tema da conversa o designado processo Cashball, referindo ter sido ‘o próprio quem contribuiu para que o processo de espoletasse, tendo sido a pessoa que apresentou o denunciante e agente de jogadores Paulo Silva, de quem é amigo há muitos anos’, ao seu atual advogado, Carlos Macanjo. Boaventura acrescentou ainda que, meses antes da operação que levou à detenção de Paulo Silva e André Geraldes, entre outros arguidos, a 16 de maio de 2018, foi contactado por Carlos Macanjo para uma reunião.
No encontro, o advogado, segundo o relato, pediu-lhe o contacto de Paulo Silva, afirmando desconhecer que contactos e conversas é que existiram posteriormente entre os dois. Certo é que, ainda de acordo com o relatado, César Boaventura e Carlos Macanjo voltariam a falar uma semana antes da operação da Polícia Judiciária do Porto: ‘Foi-lhe solicitado por aquele advogado, na sexta-feira, 11 de maio de 2018, que publicasse na sua página de Facebook um texto, fazendo referência a André Geraldes e ao facto de aquele alegadamente corromper jogadores do Vitória de Guimarães para beneficiar o Sporting Clube de Portugal na época 2017/2018’. Refere que o texto que acabou por publicar nesse dia, com o título ‘Geraldes a passear nas muralhas de Guimarães’, lhe foi integralmente enviado por aquele advogado e que ele publicou como sendo seu’.
‘Vem aí bomba’, referia a publicação do empresário de jogadores de futebol no Facebook. Aos dois inspetores da Judiciária do Porto, César Boaventura contou que tinha sido o mesmo advogado a relatar-lhe que iriam ocorrer ‘diligências processuais, tendo por alvo a Sporting SAD’. Carlos Macanjo ‘terá transmitido essas informações a César Boaventura, justificando-lhe que tinha grandes contactos dentro da justiça e a controlava’.»
Nesta altura da minha crónica achei que o título se não justificava, pois não se tratava mesmo de uma história de crianças, mas sim de adultos e para adultos. Contudo, acabei por concluir que até se justificava mais e mantive-o! Afinal a bolinha significa isso mesmo: contém cenas eventualmente chocantes. Já não estamos no campo do futebol, mas no campo da pornografia!