Carta aberta a José Mourinho

OPINIÃO04.03.202305:30

Sejamos justos! Por muitas razões, José Mourinho merece ser elogiado

LI há dias (notícia publicada) que «a continuidade de José Mourinho na Roma para a temporada 2023/2024 estará totalmente dependente da ida da equipa à Liga dos Campeões. Nesta altura, os romanos ocupam o quinto lugar da Serie A, mas prevê-se uma luta titânica entre Inter, Milan, Lazio, Roma, Atalanta pelos três lugares atrás do provável campeão Nápoles.» Interrogado acerca desta hipótese, Mourinho respondeu, «estou apenas desapontado por as pessoas não darem a estes rapazes o crédito pelo trabalho que todos nós estamos a fazer em circunstâncias muito difíceis. Ou eles não compreendem ou não querem compreender as circunstâncias. Estou grato por tudo o que eles estão a fazer.»

Sejamos justos! Pela sua capacidade de, mais uma vez, com uma equipa muito menos valiosa que aquelas com que compete na luta pela conquista do acesso à Champions, estar neste momento na posição que ocupa, José Mourinho justificava ser elogiado. Motivo mais do que suficiente para, através destas páginas, reatar o meu contacto pessoal com o José Mourinho através desta carta aberta.
 

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CARO ZÉ 

Recentemente e em diversos momentos, os teus jogadores promoveram comemorações públicas sendo tu o alvo das suas homenagens. Foi visível nesse momento o quanto tens reforçado laços de compromisso emocional ao serviço dos objetivos comuns apontados para esta época. Quando partilhadas, as emoções desencadeiam sempre importantes processos sociais, razão porque, periodicamente, tenho a certeza que tens provocado conversas com a equipa onde os jogadores falam de:

O que estão a sentir até agora? Que positivo? Que negativo? Que melhorar? Somos competentes face aos objetivos a alcançar ou precisamos reforços? Estamos organizados? Sentem alinhamento ao redor dos processos a utilizar ou ainda precisamos de esclarecer algo mais? Demonstramos foco e atenção nas tarefas individuais e coletivas ou ainda dispersamos e nos desconcentramos?

Toda esta partilha ao redor do que sentem os jogadores, regula emoções e estabelece compromissos. Cria afinal um processo socio afetivo que favorece e reforça uma relação emocional positiva. Tal como integra os eus no todo e favorece a criação de modelos comuns. O que aliás ficou bem demonstrado nas manifestações coletivas atrás referidas.

Atinges em breve um momento decisivo da tua vida profissional, que te irá exigir muita criatividade e resiliência. Recordo-me quando, ao fazer 63 anos, me interroguei se valia a pena continuar a ser treinador. Passado um ano desisti. O que no teu caso, ao chegares aos 60 anos, estás ainda algo longe de ter de tomar tal decisão.

Naturalmente, aqui e ali, vais continuar a cometer os erros próprios de quem está num caminho de busca da excelência para o qual procuras encontrar os processos e os comportamentos mais eficazes.

Mas não temas errar e desconfia quando por vezes penses em ‘não arriscar’! Sempre quiseste ser diferente para melhor, na maioria das vezes conseguiste-o, tens assim de continuar a assumir que um eventual erro ou falha constituem acima de tudo oportunidades de melhoria. Ao arriscares fazer algo para além do que é entendido como ‘normal’, será absolutamente natural que a margem de erro seja maior! Se por vezes falhares, isso representa uma aprendizagem impossível de adquirir caso faças sempre como outros fizeram. Entretanto, mantém firmemente esse teu hábito (de há muito!) de não ‘fugires’ dos erros eventualmente cometidos. Persiste em demonstrares uma total abertura (continua a assumir os teus erros sem qualquer reserva!), aprendendo com eles quanto possível.

Naturalmente, não vai ser fácil seres sempre inovador e criativo num contexto como o do futebol profissional ao mais alto nível, mas acredita que esse será o único caminho para mobilizares jogadores (e dirigentes!) para que se dediquem com toda a sua energia às respetivas tarefas e possibilitem que o todo da equipa que diriges seja maior que a soma das partes.

Também não planeies excessivamente, pois se o fizeres corres o risco de ‘ficares preso’ da solução planeada. Mantém essa tua tentativa constante, assente num processo de tomada de decisão isento de medos (os jogadores, principalmente, não podem ter medo de tomar decisões!); tal como nunca hesites na exploração de novas soluções, identificando rapidamente caminhos não percorridos e seguindo-os de imediato. 

Sei que não o fazes, mas permite-me sugerir que não deves prolongar muito alguns naturais momentos de dúvida em que te questionas se estarás, ou não, no caminho certo.  Deixa que as tuas intuições te ‘indiquem o caminho’.

E atenção! Escolher um caminho não chega, é preciso percorrê-lo (quanto antes!).

Claro que não é possível expulsares completamente o medo de falhar quando estás perante tanta coisa importante para a tua vida futura! Mas nunca esqueças que o preço de por vezes falhares representa nas respetivas aprendizagens um investimento no futuro!

Quando arriscas soluções para além do tradicional, retiras ideias e aprendizagens que se revelarão muito úteis mais cedo ou mais tarde. Acredita que sempre que falhas ficas mais perto das soluções que buscas!

Tal como sempre o fizeste, continua, experimenta, experimenta sempre!

E embora arriscar por vezes se apresente como um perigo, nunca esqueças que temer arriscar leva muitos (demasiados!) treinadores a deixar de inovar e a rejeitar novas ideias, o que no fundo representa o primeiro passo para se tornarem ‘mais do mesmo’.

Naturalmente, alguns treinadores também ‘derrapam’ porque se atrevem a transpor limites e a correr riscos para além daqueles que se justificavam. 

Tu próprio já o sentiste algumas vezes! Mas não esqueças! Tens a responsabilidade de ensinar os jogadores (e os dirigentes) como pensar e intervir da forma mais inteligente possível num contexto do futebol profissional onde domina a tradição do ‘sempre se fez assim’!

Enquanto líder, distinguiste-te ao longo dos anos por ensinar como cada um pode contribuir para o sucesso da equipa (como um todo!). Persiste nessa tua luta de há muito, elevando bem alto a ‘bandeira’ dos fatores críticos do sucesso de qualquer treinador, respetivamente:

- sonho (o que queres alcançar no futuro);

- como queres que seja feito (regras comportamentais e processos de jogo claros);

- objetivos ambiciosos (ensinar/treinar/ melhorar sempre).

Tem sempre bem claro que mudar hábitos antigos é muito difícil! Principalmente alterar os hábitos de alguns jogadores mais antigos e muito ‘agarrados’ a um futebol diferente.

Afinal, o teu modelo de jogo não é melhor, nem pior, mas é aquele em que acreditas!

E as emoções do treinador são como os vírus, propagam-se e ‘infetam’ o clima social da equipa. Logo, tal como sempre fizeste, tens de te mostrar positivo e entusiasmado!

Nas tuas reuniões com os jogadores continua assim a referir que:

- os processos de mudança, conduzem a situações em que os jogadores erram mais do que até aí acontecia, o que naturalmente os retira da sua habitual zona de conforto; é assim natural que resistam e só deixarão de o fazer quando acreditarem nas vantagens dos novos processos;

- essa é a tua responsabilidade, demonstrar -lhes as vantagens contidas no que lhes propões, para além de os envolveres constantemente numa rede de feedback positivos sempre que fizerem bem.

Os jogadores que se esforçam e empenham ao serviço do alcançar os objetivos da equipa, são os teus modelos e referências! Tal como tu tens de te superar para que consigas influenciar e persuadir os jogadores para que (eles também!) se superem. 

Ao longo dos anos, ganhaste jogos e títulos precisamente porque conseguiste que as atitudes e comportamentos dos jogadores fossem (o mais possível!) positivos através da influência das tuas atitudes e comportamentos. 

Por fim, é muito importante teres em conta o princípio de Pareto que diz que 20% das causas, provocam 80% dos problemas!

Quando a tua equipa revela períodos de perda de foco ou uma ainda fraca reação nas mudanças de fase de jogo e um ou outro descontrolo emocional, são estes ‘20% de causas’, eventualmente provocadoras dos ‘80% de problemas’ que poderá vir a ter no futuro. O que é uma informação privilegiada para treinares todos os dias as respetivas situações.

Sei que nunca esqueces que, segundo aqueles que têm vindo a estudar estes temas, quase sempre ganhas vantagem, ou sofres golos, nos últimos 10 minutos de cada parte ou no recomeço da segunda parte. O que significa que em cerca de 25/30 minutos dos 90 minutos de duração do jogo, decides se ganhas ou perdes! Ora é precisamente nestes momentos que tens de ‘ir para cima deles’ na tua expressão máxima global (física, mental, emocional, social e espiritual). 

Um abraço Zé! E obrigado por esta oportunidade!