Candeia que vai à frente alumia duas vezes (se o VAR deixar)
Comecemos por uma imagem possante. Pedro Porro, internacional sub-21 espanhol, jogador do Manchester City emprestado ao Sporting, disputava no sábado passado a bola, junto à linha lateral, com um adversário do Braga. Conseguiu ganhar um lançamento… celebrou o feito como se fosse uma vitória no jogo.
Porro foi eleito o melhor defesa da Liga no mês de novembro. Defesa direito é uma hipótese para se caracterizar a sua posição; outra é tudo direito - porque ele corre toda a zona, de costa a costa, aliás como o seu colega do lado esquerdo, Nuno Mendes, do qual episódios semelhantes podiam ser contados. O que significa isto? Há uma palavra para resumir: empenho. A palavra soa-me, no entanto, fraca; se a disséssemos em espanhol, em homenagem ao nosso jogador ali de Don Benito, província de Badajoz - raza. Em português seria raça, que se dá a muitas conotações que nestes tempos convém evitar. Mas falemos, ainda assim, porque é de raça que se trata.
Durante o jogo com o Braga, penso que ainda haveria 0-0 e os minhotos carregavam, um amigo meu, portista ferrenho, mandou-me uma mensagem: «Quando não adormeço a ver o teu clube, vejo-o a levar banhos de bola ou não jogar nada mas ter sempre uma sorte escandalosa.»
Admitamos que seria verdade o que diz aquele amigo. Como adormece bastante, só vê as coisas a espaços. Além disso, desconhece a velha máxima latina audaces fortuna juvat, ou seja, a sorte protege os audazes. Mas, já se sabe, isto de futebol tem muito de emoção e pouco de racional, o que me leva a crer que sempre que o Porto ou o Benfica marcam perto dos 90 minutos é porque têm sorte, mas quando é o Sporting a fazê-lo é porque o merecia e já tardava.
Brincadeiras de amigos à parte, reconheço que o Sporting teve sorte em certos lances e que o Braga podia ter começado a vencer. Mas há que ver o jogo todo, o panorama geral: aos sete minutos Feddal foi empurrado na área, ficando por assinalar um penálti a favor do Sporting; aos 45, Raúl Silva (voluntária ou involuntariamente) rasteirou Tiago Tomás dentro da área, quando a bola não andava por ali. De acordo com quase todos os especialistas, nomeadamente o que escreve neste jornal, Duarte Gomes, embora fosse quase impossível o árbitro (a olhar para a bola) ver o lance, o VAR teria a obrigação de lhe chamar a atenção. Que se saiba, não o fez.
Ora, raça é saber-se prejudicado (propositadamente ou não) e não ir abaixo. É ver Adán fazer defesas gigantescas e confiar nele; é ver uma bola no poste e não dar nada por perdido; é ir umas escassas vezes à área adversária e marcar dois golos.
Sou do tempo em que a Seleção portuguesa, o Benfica, o Sporting e quem mais fosse, ganhavam moralmente. Jogavam que se fartavam, mas perdiam porque os adversários, normalmente italianos ou ingleses, iam duas ou três vezes à nossa área e marcavam. Para quem não sabe, a isso, além de raça, chama-se confiança e eficácia.
Os desafios insulares
Hoje mesmo, ao fim da tarde (18.30), o Sporting disputa o jogo da 13ª Jornada, contra o Nacional, na Madeira. Não se pense ser um jogo simples, como, aliás, se tem provado que nenhum deles é. Apesar de só ter ganho duas vezes em casa, ao Tondela (2-0) e ao Gil Vicente (2-1), o Nacional, no seu terreno, também só conheceu a derrota uma vez, contra o Santa Clara (1-3). De resto tem três empates (B-Sad, Boavista e Paços de Ferreira).
Acresce que o treinador da equipa madeirense, Luís Freire, foi involuntariamente responsável pela dispensa de José Peseiro, em 2018, quando num encontro para a Taça da Liga, e ao serviço do Estoril, derrotou o Sporting em Alvalade. Lembro-me bem do jogo, um dos primeiros da época de Varandas à frente do clube e não creio que, mesmo na Madeira, a história se possa repetir. Não quero com isto dizer que não possamos perder; essa hipótese existe sempre, em todos e quaisquer jogos. No que não acredito é que a passividade, e quase desinteresse com que jogámos em Alvalade, seja a forma de estar em campo. Nunca tem sido na era Amorim e penso que não seria agora, que temos uma excelente situação no campeonato e nas provas que disputamos.
Quatro dias depois, segunda-feira, 11, e desta vez para a Taça de Portugal, defrontamos, também na Madeira, o Marítimo. Curiosamente, na Liga, as duas equipas vão coladas - Marítimo em 8º, Nacional em 9º, com a diferença de um ponto (por coincidência, em 7º está a outra formação insular, o Santa Clara, com os mesmos pontos do que o Marítimo, depois do empate com o Benfica). Na contabilidade, a equipa com mais pergaminhos nas ilhas (Marítimo) tem, tal como o seu rival na Região Autónoma, duas vitórias em casa: uma também frente ao Tondela (2-1) e outra frente ao B-Sad (1-0). Porém, pior do que o vizinho, tem duas derrotas: uma frente ao Benfica (1-2) e outra pelo mesmo resultado, frente ao Portimonense. Os dois restantes jogos em casa foram empates a zero, com o Nacional e com o Boavista.
Porém, não nos esqueçamos que em maio de 2018 foi nos Barreiros, estádio do Marítimo, que perdemos a hipótese do segundo lugar, e de lutar pela Liga dos Campeões. Na última jornada, e com um golo maritimista aos 92 minutos, o Sporting perdeu 2-1… Foi um golpe. A 11 de agosto de 2019, época passada, empatámos 1-1, tendo começado a ganhar com um golo de Coates, o atual capitão. Era o tempo de Keizer e na equipa ainda jogavam Mathieu, Acuña, Wendel, Raphinha, Bruno Fernandes e Bas Dost (que não foi titular, entrou só a 15 minutos do fim, quando o Marítimo já empatara). Não seria tanto um problema de nomes e de talento, mas mais de atitude. Era o 11ª jogo sem ganhar.
Se recordo estes momentos tristes para qualquer sportinguista, é para os contrastar com o momento atual, com a confiança que a equipa e todos nós respiramos, e para agradecer a Rúben Amorim - e há que dizê-lo, a Frederico Varandas que o contratou contra as vozes de muitos e as reticências de outros tantos, entre as quais as minhas.
E o querido mês de janeiro
Para quem pensasse que este mês era difícil por causa de dois jogos na Madeira com quatro dias de intervalo, aperte o cinto, porque o pior vem depois. Mais quatro dias e recebemos em Alvalade o Rio Ave. Bem sei que os vila-condenses podem ser considerados uma das grandes desilusões desta época, até agora, uma vez que ocupam o 15º lugar com os mesmos pontos do 16º (que terá de disputar um play-off para se manter na Liga), mas nunca é demais lembrar que esta equipa tem de começar a reagir e antes do Sporting recebe em casa o Portimonense, seu concorrente direto com 11 pontos, que afinal são apenas menos três do que o 7º lugar.
Depois são mais quatro dias para ir a um campo neutro (Leiria) defrontar o mais perigoso dos nossos adversários (neste momento): o Porto, para a meia-final da Taça da Liga. Pode ser que ajuste contas com o amigo que referi no início desta crónica… Imaginemos que - como ele dizia - com «uma sorte escandalosa», ou por ser eficaz, o Sporting passa à final (também em Leiria). Mais quatro dias e defronta Benfica ou Braga (dia 23). Aí terá de haver reajustes do calendário, uma vez que a 24 estaria programada uma visita ao Boavista, terminando o mês com o Sporting-Benfica, no dia 31.
Espero, em fevereiro, escrever algo como Rúben e a arte de gerir plantéis, depois de termos ganho tudo. Mas não fico surpreendido com um tropeção num destes jogos. Há que reconhecer que o Porto e o Braga jogam a elevada velocidade e a grande nível. E que o Benfica… bem, essa é outra conversa que talvez nem seja para aqui chamada.