Campeonato morto, campeonato posto
1 Há dias, neste jornal, o jornalista Gonçalo Guimarães sintetizou brilhantemente o desempenho do Benfica nestas últimas duas temporadas: em 2018/19, ganhou um campeonato que estava perdido; este ano, perdeu um campeonato que estava ganho. Assim, neste biénio, tudo ficou empatado, com um título para o meu clube e outro para o FC Porto. Todavia, com uma diferença que, muitas vezes, ecoa nos diversos modos de relacionamento e comunicação sociais. É que quando o SL Benfica ganha, logo aparecem os maus perdedores prosélitos a insinuar que tal aconteceu por uma ou variadas razões imaginárias. Basta ver os campeonatos ganhos já neste século e recordar o que no fim de cada um deles disseram. Ou foi a arbitragem, ou um qualquer tonto colinho, ou uma manobra de bastidores, etc. Mérito desportivo é que não houve, decretaram sem corar e sentir vergonha. Não trago aqui à colação outros campeonatos ganhos pelos rivais, para os quais muitas linhas não chegariam. Neste momento, quero tão-só referir que, numa prova longa e que exige regularidade e estabilidade, normalmente ganha quem foi melhor. Erros, falhas, infelicidades tendem a nivelar-se ao fim de 34 jornadas. Desta vez, o campeonato vai para o FC Porto. Com justiça. Não vale a pena invocar bodes expiatórios ou desculpas mal-amanhadas.
Estes dois anos mostraram que se, por um lado, é bom constatar a imprevisibilidade dos resultados futebolísticos que alimentam mais explícita ou implicitamente a apelidada fezada de qualquer adepto - ainda que não chegando ao limite do que se costuma chamar o ainda matematicamente possível -, por outro lado, revelam a irregularidade e a vulnerabilidade dos clubes portugueses.
Não quero desvalorizar o triunfo portista. Todavia, este campeonato foi um remendo, algo postiço, desenxabido, que tem de ser analisado com alguma diferença de bitola. Se bem virmos o que aconteceu nas jornadas em tempo de pandemia, o futebol praticado foi muito fraquinho e a vitória acaba por premiar quem menos mal jogou.
É óbvio que, como benfiquista, me custa muito ter perdido dois de três campeonatos (um teria sido o do penta) para um rival que vive momentos financeiros difíceis e tem estado sob a vigilância e as restrições impostas pela UEFA. Houve erros que para tal contribuíram. Por exemplo, alguma descapitalização do plantel, a falsa ideia de que a inércia dos anos anteriores seria o suficiente para ganhar e a proliferação de notícias e processos judiciários que, justa ou injustamente, contribuíram para debilitar a ideia crucial da estabilidade.
2 A três jornadas do fim, o Benfica tem 2 vitórias, 2 derrotas e 3 empates (ou seja, conseguiu só 9 em 21 pontos possíveis). Creio que, de todos os clubes, foi a equipa que mais se ressentiu da falta do público e dos seus adeptos. Apesar dos tempos de hoje já não serem os de há boas décadas, o Estádio da Luz ainda é um factor estimulante e motivador para a equipa e, fora de casa, bem se sabe o que os benfiquistas têm contribuído para jornadas de sucesso.
No meio da desolação, importa agora aproveitar o ensinamento do que não correu bem. Não considerando aqui a questão do novo treinador, talvez a decisão mais importante a tomar, diria que importa reforçar o plantel, não em modo meramente quantitativo, mas em escolha qualitativa criteriosa, não só para reganhar o título, como para fazer boa figura na Europa. Apenas, como exemplificativo, estes meses serviram para deixar claríssimo que nada se pode vencer com uma defesa carente de jogadores com categoria (sofremos sempre golos, excepto contra o Tondela, e foram desperdiçados 8 pontos nos últimos 20 minutos: 2 em Portimão, 3 contra o Santa Clara, 2 contra o Famalicão, 1 contra o Marítimo!).
3 Com este campeonato, sobe para 11 épocas consecutivas, o facto de o Benfica ser campeão ou vice-campeão. Caso único, pois que o outro campeão, Porto, foi duas vezes terceiro classificado. E se para o ano que vem, ser primeiro ou segundo classificado é semelhante para efeitos de apuramento para fase de grupos da Champions, este ano o Benfica tem de superar duas eliminatórias para lá chegar. Com uma dificuldade acrescida: a de na primeira delas, haver apenas um jogo sem cabeças-de-série. Sem dúvida um teste determinante para as finanças do clube e para o novo treinador.
A propósito de finanças, a emissão de obrigações por parte da Benfica, SAD irá concluir-se com um inegável sucesso. Nestes tempos tão conturbados e cheios de interrogações, havia o risco de as expectativas ficarem abaixo do planeado. É que se trata da primeira emissão em tempo de confinamento pessoal, económico e social, no qual, aliás, o clube já havia honrado o pagamento de cerca de 75 milhões aos credores obrigacionistas, cumprimento que, por exemplo, o FC Porto não conseguiu. A procura deu ensejo à SAD de aumentar de 35 para 50 milhões o valor bruto a arrecadar, pagando uma taxa de juro de 4%, significativamente mais baixa do que teria de pagar se recorresse a outras formas de financiamento.
4 Espero que a definição da nova equipa técnica do Benfica esteja para muito breve, de modo a se planear adequadamente a próxima época e as eliminatórias europeias. E também para se dar por findo o carrossel de nomes, teses, teorias e boatos que circulam. Não quero entrar no jogo de desejos palpitados, mas perguntei a vários amigos sportinguistas e portistas qual seria o treinador que menos gostariam que treinasse o Benfica. É um bom barómetro para avaliar os potenciais técnicos, ainda que visto do outro lado da moeda. A resposta que me deram foi invariável: Jorge Jesus. Cada qual tire as devidas conclusões…
5 Aproximam-se as eleições para os órgãos sociais do Sport Lisboa e Benfica. Perfilam-se vários candidatos, o que se deve assinalar como positivo e sinal de vitalidade. Como sócio eleitor, estarei atento aos programas e objectivos propostos, não apenas em termos genéricos de boas intenções, mas estruturados nos propósitos e devidamente sustentados. Importará, igualmente, conhecer os nomes dos candidatos a todos os órgãos, incluindo a SAD, com apresentação dos respectivos currículos e a salvaguarda para evitar actuais ou futuros conflitos de interesse dos próprios e familiares. Trata-se de uma eleição muito importante que deve envolver todos os associados, esperando-se que a Mesa da Assembleia-Geral garanta inequívoca isenção, transparência, imparcialidade, auditoria informática do processo de contagem de votos e criação de plenas condições de equidade. Neste enquadramento, li que a BTV não vai fazer debates entre os potenciais candidatos. A ser verdade, custa-me acreditar em tal posição e bom seria que, quem assim decidiu, o justificasse, sob pena de ser passível de forte crítica por beneficiar o candidato incumbente. Se o canal do clube não se envolve responsavelmente nas eleições, como é seu indiscutível dever, então quem o deve fazer? O Porto Canal, a Sporting TV, a Sport TV, a CMTV, A BOLA TV, etc., etc.? É de todo incompreensível e tem de ser esclarecido por que razão se determinou a sua ausência do acto mais sagrado que os sócios têm na definição dos destinos do clube. Mais, sendo a BTV um canal a que só se tem acesso pagando, os debates deveriam ser abertos a todos, pagantes ou não pagantes. Ainda quero crer que a decisão aparentemente tomada venha a ser revertida. Escrevo estas linhas, independentemente de quem for candidato, sem tomar em conta se votarei em A, B ou C. É uma questão objectiva, direi mesmo ética e estatutariamente obrigatória, agora ou no futuro, com estes ou outros candidatos. Aliás, situações absurdas como esta só contribuirão para o mal-estar, divisionismos perversos entre os sócios e simpatizantes e deixam sempre marcas quer nos vencedores, quer nos vencidos. Ou seja, tudo o que um clube de tradições democráticas bem pode e deve dispensar.
6 A minha total solidariedade para com Pizzi, André Almeida e Rafa perante insinuações torpes provindas de uma forma soez, enviesada e desonesta de fazer jornalismo.