Boas ideias e alguma melancolia
Sátira política. Histórias de o Senhor Kraus neste intervalo. O Chefe e os seus Auxiliares. Sobre eleições.
Diálogo (um dia antes das eleições)
1- Essa coisa de ganhar balanço levando a democracia a todos os espaços e a todos os momentos.
- Estamos no século da democracia: a população deve ter voz sobre todas as coisas.
- Até aqueles cuja voz...
- Até esses.
- Portanto: a população decidia tudo.
- Falava por exemplo de um jogo de futebol.
- Jogo que não passa de uma ditadura dos jogadores.
- O que propõe então é...
- Vou repetir: que a decisão seja dos espectadores do jogo, não dos jogadores.
- Muito bem.
- Em vez de 22 jogadores mais três árbitros decidirem, seriam 30 mil espectadores a fazê-lo. Por voto. É uma grande diferença. É só fazer as contas.
- Só valeriam os votos dos espectadores no Estádio?
- Sim.
- É justo.
- E uma excelente maneira de levar as pessoas a ver o jogo. Iriam decidir mesmo o resultado. Valeria a pena a deslocação. Não me parece justo deixar algo tão importante - como o resultado de um jogo - apenas nas mãos (ou nos pés) de menos de duas dúzias de cidadãos.
- Neste caso, designados como: jogadores de futebol.
- Exactamente.
- O resultado dos jogos seria então determinado não por habilidades momentâneas, mas por decisões reflectidas da população.
- Parece-me justo. Estamos no século do cérebro e do voto.
...
- Um jogo de futebol decidido pelos votos da população (dos espectadores em particular) e não pelos golos dos jogadores!
- São alterações como esta que transformam um país pouco desenvolvido num país avançado.
- São.
- Em vez de decisões com o próprio joelho, em vez de decisões deste tipo, musculares, físicas, não cerebrais e não democráticas, passar para decisões alargadas.
- Cada jogo de futebol seria assim uma espécie de referendo.
- Sim, mas atenção: primeiro teria de se jogar.
- Pois, os jogos fazem falta.
- As decisões seriam depois do jogo - e os indivíduos sérios iriam decidir-se pela vitória de uma ou de outra equipa, independentemente dos golos, e não influenciados por paixões que pudessem existir antes do jogo, mas sim após uma reflexão lógica sobre o que realmente aconteceu.
- Manter um jogo apaixonante já não é digno de um século onde a racionalidade exige outro tratamento dos acontecimentos.
- Exacto.
- Racionalidade e democracia: importância da opinião e do voto de cada cidadão: eis o futebol do próximo século.
- É justo.
- Quanto às eleições para decidir quem governa um país?
- Ah, sobre isso a minha opinião é que se deveria fazer um jogo de futebol à antiga: cada Partido escolhia onze jogadores e a equipa que marcasse mais golos ia para o governo.
- Parece-me sensato e racional.
- Digno deste século.
- Sim. Digno deste século.
Depois das eleições
2 As eleições haviam terminado e o varredor há mais de duas horas que com a vassoura empurrava os boletins de voto para o canto da sala.
Os boletins, agora inúteis, avançavam contra vontade, para o canto, como se fossem guardanapos sujos e não papéis determinantes para um certo país numa certa altura. Eram empurrados como lixo.
O Senhor Kraus observava todo o espectáculo, melancólico.