Bernardo (Messi)

OPINIÃO14.10.201804:00

Não, não se pode dizer que o Miguel Angel Lotina seja treinador que marque a história do futebol - mas uma coisa se sabe: que a marca por espirituosas tiradas, por exemplo:
- Comparar Cristiano Ronaldo com Messi é um exercício de ignorância futebolística, Messi é Messi, os outros são futebolistas, fantásticos ou não...  
Não discordo, mas sempre que me lembro do dito solta-se-me a comparação: Messi é Messi porque nunca deixa de jogar com pés de artista (ou melhor: com a cabeça de artista que nunca lhe foge dos pés) e Ronaldo é Ronaldo por jogar cada vez mais e mais com pés de atleta (ou melhor: com o corpo de atleta perfeito que lhe dá o golo ao pé ou à cabeça).
Não o escondo: gosto mais do futebol do Messi (naquele sentido em que Figo o revelou num toque de poesia nua:
- Ver jogar Messi é como ter um orgasmo - é um prazer extraordinário.)
A cada dia que passa, mais vou apanhando (em deleite) sinais desse Messi no Bernardo Silva. Vejo-o no toque do pé em veludo, elegante e simples. Vejo-o no dom da antecipação de que falava o Armando Nogueira - que é pensar a melhor forma de jogar bem para si ou para a equipa antes de qualquer outro (sem que o corpo seja problema). Vejo-o no Bernardo a jogar não com a bola colada ao pé, mas com a bola dentro do pé - fazendo do passe um poema, fazendo do remate um tiro (fazendo uma coisa ou a outra, do modo mais útil e menos egocêntrico, retocado de classe, despojado de frivolidade). Vejo-o em outros traços e meneios - mas talvez a forma mais perfeita de sintetizar o que eu vejo no Bernardo seja olhar para o verso da Adélia Prado: «De vez em quando, Deus me tira a poesia: olho a pedra, vejo pedra mesmo» - e ver o seu contrário. Ver que no futebol do Bernardo (com o Messi que lá está) quando o pé que o joga olha a pedra, não é a pedra que vê: é a luz - a luz que lhe leva a bola do negrume do túnel para o arco-íris a estender-se pela linha do horizonte que a há de pôr no fundo da baliza (por ele ou por outro…)