Bernardo e a macaca ‘Washoe’
A notícia carrega o peso que de repente damos à opinião do tolinho da aldeia: a federação inglesa acusou Bernardo Silva de conduta imprópria por «referência étnica» ao brincar com o amigo dele, Mendy, associando-o ao boneco dos chocolates Conguitos.
Desconsideremos o óbvio: a amizade entre eles ou, até, a forma como palavrões e provocações fortalecem laços, assingelam o absurdo de tanta coisa objetivamente ofensiva ao nosso redor; e ignoremos também a nova ideia da importância das figuras públicas em redes sociais e sua presumível obrigação de exemplo, porque me parece ser uma responsabilidade que não têm - são futebolistas, não presidentes de repúblicas.
Proponho, talvez, lembrar a chimpanzé Washoe, uma macaca falecida em 2007, notável por ter sido o primeiro símio educado com linguagem gestual, em estudo dos cientistas Allen e Beatrix Gardner. Então foi assim: Washoe tinha lugar para defecar e quando de início isso acontecia fora de sítio faziam-lhe, gestualmente, a palavra dirty, assim avisada com um fizeste asneira. Num dia de aniversário Allen dera-lhe uma fatia de bolo mas quando Washoe pediu um segundo pedaço, e aquele fingiu negar-lho, o animal mimicou a mesma palavra, dirty, apontado para o homem, implicando que Allen estava, portanto, a asneirar... Nunca um bicho fizera uma associação assim.
Devemos punir discriminações e ódios raciais, não acossar referências banais, pois essas fazem parte da linguagem e funcionam em contextos. Se criarmos uma sociedade na qual as alusões que nos distinguem sirvam só para nos separar, e não unir, desceremos ao plano mais básico dos entendimentos, seremos todos os tolinhos de uma grande aldeia.
Se até Washoe aprendeu que as palavras, mesmo as feias, dependem da ocasião, convém que nós, que afinal ensinámos a macaca, não o esqueçamos.