Benfica: sonhar com os pés no chão

Benfica: sonhar com os pés no chão

OPINIÃO25.06.202306:30

Beneficia de a última temporada ter sido muito bem-sucedida, para conseguir atrair ativos que podem ter um papel de relevo

EM Portugal, o sucesso desportivo deverá ser sempre a alavanca para o sucesso financeiro. Estas duas áreas deverão estar sempre unidas, garantindo um equilíbrio entre a paixão ao jogo em si e a racionalidade dos números, para que as decisões vão ao encontro dos objetivos propostos. É fundamental que aqueles que têm responsabilidades nos clubes/SADs tenham por base este princípio. O Benfica conseguiu alcançar o tão desejado título no último ano e está muito ativo no mercado, nesta pré-época. De uma forma simples, vou analisar a estratégia em três áreas que se conjugam: desportiva, financeira e institucional.  


DEFINIR E ATACAR OS ALVOS

DESPORTIVAMENTE o Benfica está muito ativo no mercado. Percebe-se que a estratégia passa por iniciar a preparação da próxima época com o plantel praticamente definido, ao contrário do último ano. Beneficia do facto de a última temporada ter sido muito bem-sucedida, para conseguir atrair ativos que podem ter um papel de relevo. Kokçu foi a primeira contratação e uma das mais sonantes. Foi unanimemente considerado o melhor jogador do campeonato dos Países Baixos e é um desejo expresso de Roger Schmidt (RS), que depois da saída de Enzo tinha apenas este jogador em mente. A renovação de Otamendi acabou por ser uma surpresa, mas enquadra-se na estabilidade, qualidade e liderança que o plantel necessita. 

A lesão de Gonçalo Guedes abriu uma janela de oportunidade que o Benfica agarrou. Trata-se de um jogador que pode fazer as quatro posições de ataque, que tem experiência, tem características que RS gosta, como a explosão e bom remate, conhece a realidade portuguesa e quer voltar a alcançar o estatuto de internacional. O regresso de Di María deverá ser a aquisição mais sonante. Numa altura em que existem mercados com muito mais capacidade financeira, como a Arábia Saudita ou EUA, não deixa de ser muito interessante a forma como o Benfica conseguiu contratar Di María. É verdade que tem 35 anos e muita propensão para lesões. Contudo, também tem uma enorme qualidade e capacidade de desequilibrar nos momentos decisivos.

Se estiver em condições será uma mais-valia para o Benfica e para o campeonato português. O clube encarnado está ainda a procurar fechar um avançado (Taty Castellanos), antecipando o cenário da saída de Gonçalo Ramos. Ficam a faltar fechar, pelo menos, duas posições: guarda-redes e lateral-esquerdo. Está bem encaminhada a contratação do guardião brasileiro Bento, que tem 24 anos e é muito promissor. Para o lado esquerdo da defesa, o alvo Kerkez é novo (19 anos), tem qualidade e personalidade. Se conseguir fechar estas contratações, o plantel ficará mais uniforme e competitivo. Em termos gerais, desportivamente, o objetivo do Benfica é começar a nova época com um plantel bem definido e com mais qualidade do que no último ano, para que RS possa ter condições para repetir o sucesso desportivo da última época.     


ALERTA: IMPORTÂNCIA DO RIGOR FINANCEIRO

PERCEBO a estratégia desportiva do Benfica, só não sei se está a ser conseguida à custa de um esforço financeiro demasiado elevado e que pode colocar em causa a estabilidade no futuro. De uma forma simples e analisando apenas o investimento e custos com jogadores/equipa técnica, verifico que o orçamento está a aumentar substancialmente. É verdade que a venda de Enzo e a prestação na Liga dos Campeões geraram contabilisticamente um 2022/2023 positivo. Também é verdade que a venda do jogador argentino permite ao Benfica ter liquidez para atacar o mercado e contratar os jogadores pretendidos. O meu alerta vai noutro sentido. Conhecendo a realidade portuguesa, as receitas que podem ter impacto, no curto prazo, nas contas do Benfica, já se encontram num nível muito elevado, não existindo muita margem para serem exponenciadas. 

Já do lado dos custos, vejo o orçamento a escalar de uma forma muito rápida. Por exemplo, Roger Schmidt renovou recentemente e passa a ganhar €4M, €5M e €6M limpos ao ano, ou seja, duplicou o vencimento. Neste caso e para termos uma ideia, €6M limpos equivalem a €12M brutos, sendo um dos treinadores mais bem pagos do mundo. A diferença é que RS está na liga portuguesa! Otamendi renovou recentemente e com valores elevados, uma vez que nos anos anteriores uma parte do seu salário foi assumida pelo M. City. Di María foi contratado e, segundo consta, terá um custo de €10M (uma parte em prémio de assinatura e a outra em salário). Kokçu, a compra mais cara do Benfica, também deverá ter um salário a tocar no teto salarial ou mais alto. Vlachodimos renovou recentemente passando a auferir o dobro.

Ficam ainda a faltar as contratações de um GR e defesa esquerdo. Se juntarmos o investimento (compra de jogadores) com o aumento do nível de salários pagos, percebemos que o crescimento dos custos é enorme de um ano para o outro. Percebo que o próximo ano será determinante em Portugal, porque teremos apenas um clube com entrada direta na Liga dos Campeões. Compreendo o desejo de tornar o plantel mais capaz. Mas, conforme referi anteriormente, a paixão pelo jogo deverá estar interligada com a racionalidade financeira. Querer é uma coisa, poder é outra.

Outro ponto importante, e que complica a gestão da estrutura do Benfica, é que, ao tomarem-se estas decisões, a administração tem de estar preparada para as exigências de todos os jogadores (renovações e contratações futuras) que quererão acompanhar a evolução de crescimento salarial que se está a verificar. Em termos gerais, existem aqui alguns riscos: a não entrada na Champions terá um efeito devastador na estratégia financeira seguida; sem o equilíbrio financeiro e com custos cada vez maiores, o objetivo de conseguir fazer com que os jogadores fiquem mais tempo no Benfica será inverso, ou seja, terão de se vender mais jogadores por época.

BENFICA: DIMENSÃO TRAZ RESPONSABILIDADE

NA última Assembleia Geral, Rui Costa teve a seguinte afirmação quando respondia a perguntas dos sócios: «O Benfica não irá cumprir lei nenhuma se sentir prejudicado.» O populismo é muito perigoso. Independentemente da entidade ou personalidade, ninguém está acima da lei. Eu posso sentir-me prejudicado em pagar impostos, mas tenho de os pagar na mesma! Analisando o conteúdo da frase, a preocupação do Benfica não deverá ser se cumpre ou não a lei, essa questão é óbvia. A preocupação deveria ser em exigir à entidade que está a negociar os direitos de centralização de TV (Liga de clubes) que faça o seu trabalho e que demonstre o que tem vindo a fazer. O Benfica como grande clube não pode ser passivo e ficar à espera que as coisas aconteçam, tem de ser ativo e exigente! Outro ponto importante, e que tem a ver com este tema, foi quando Rui Costa explicou que apoiou o atual presidente da Liga para «não andar em sentido contrário aos restantes clubes». Deixo apenas duas questões: O Benfica limita-se a fazer o que os outros fazem? É assim que o Benfica quer ter um papel ativo no caminho que o futebol português pretende seguir? 


A VALORIZAR

Mariano López. Como investidor apresentou o plano para o Académico de Viseu. Demonstrou enorme preparação na vertente desportiva. Definiu claramente o objetivo de subida. Explicou a forma como pretende dimensionar a cidade de Viseu em torno do Académico, mostrando preocupação com a responsabilidade social. Se cumprir com o prometido será um exemplo a seguir.


A DESVALORIZAR

Thibaut Courtois. Abandonou a seleção belga porque não envergou a braçadeira num jogo. O coletivo deverá ser sempre mais importante do que os egos ou o individual.