Benfica sempre, Europa inglesa, Samaris cá
1 - No próximo fim-de-semana termina o campeonato. Ainda não há campeão, embora a normalidade permita dizer que será o Benfica. Mas isso será assunto que bem desejo tratar para a semana. Por agora as certezas: o Feirense é definitivamente o último, embora o seu futebol até tenha sido melhor do que clubes que ficam na primeira divisão. O Nacional não tinha hipóteses, tal a manifesta insuficiência do seu plantel. Notáveis são os lugares do Moreirense e do Santa Clara. O Sporting e o Sp. Braga ficaram nos lugares que, previsivelmente, lhes estavam destinados.
O encontro em Vila do Conde foi um excelente jogo de futebol. Vibrante, com as duas equipas a querer ganhá-lo. Num dia em que Bruno Lage fez os mesmos anos que a minha filha mais nova vai fazer no dia em que o meu (e dela) Benfica se pode sagrar campeão nacional, o jogo foi bem ganho pelo Benfica, que, desta vez, fez uma primeira parte não para empatar, mas para vencer.
Domingo à noite foi um festim de FIFO memorial por parte de alguns habituais comentadores da coligação APSSU (Alguns Portistas e Sportinguistas Sempre Unidos). Tudo por causa de um golo encarnado (o segundo), que poderia não ter sido validado, fazendo fé no que foi dito e escrito por quem sabe mais do que eu sobre estes assuntos (fora-de-jogo de João Félix). No entanto, os justiceiros da Ordem dos Dominicanos-à-Noite logo determinaram o pleno, concluindo que o Benfica (que, recordo, estava a ganhar por 1-0) deveria não só ver anulado o tal golo, como ser punido com um penálti, aspecto este por demais forçado, pois que quando muito seria um livre fora da área. Isto, apesar de Freitas Lobo, o comentador de serviço ao norte, sempre tão omisso ou hesitante quando se trata de outros, ser tão assertivo com o Benfica, logo sentenciando ter sido um claro penálti…
Volto ao sistema FIFO do stock da memória, que, no futebol, é usado quando convém. FIFO é um acrónimo inglês usado na gestão e que significa first in, first out, ou seja, o que primeiro entra é o que primeiro sai. Por isso, o lance agora referido (da 33ª jornada) é alcandorado a escândalo pelos mesmos que, amnesicamente, libertaram da memória - aqui relativamente ao FC Porto - o que sucedeu durante o campeonato. Recordemos apenas alguns mimos arbitrais com provável influência nos resultados: 1) marcação de penálti forçadíssimo no último minuto contra o Belenenses (2ª jornada) que transformou um empate numa vitória; 2) claros off-side nos jogos com o V. Guimarães (que este acabou por vencer), Feirense e Desportivo das Aves (quando havia 0-0); 3) no Bessa, minuto 70, havia 0-0, manifesto derrube de Brahimi sobre um atacante boavisteiro que deveria ter dado penálti; 4) Nos Açores, o golo que dá a vitória ao FCP por Soares foi precedido de falta deste; 5) em Braga, um penálti sobre Wilson Eduardo, perto do fim, quando o FCP vencia por 3-2. Isto para não falar no recorde imaculado de, até agora, o FCP ser a única equipa do campeonato sem qualquer jogador expulso, seja por acumulação de cartões amarelos, seja por cartão vermelho directo de Felipe & Companhia (lembro, só a título de exemplo, que, no Bonfim, ainda na primeira parte, Felipe placou um jogador setubalenses que seguia isolado directo à baliza). Então, de repente, tudo isto é branqueado e só fica a tal jogada de Vila do Conde?
Quem não disfarçou a benficofobia foi um jogador que foi reabilitado pelo agora por ele odiado Benfica e, em consequência, prendado com salários milionários no Real Madrid. Questão básica de falta de gratidão e de amnésia parola de um - voltando às origens - caceteiro selectivo.
2 - Estamos no fim da época e, pelo que é publicamente conhecido, a continuidade de Samaris jaz em banho-maria. Não têm sido fáceis estes últimos anos da vida do grego. Desde logo, com a inexplicável, direi mesmo absurda, ostracização a que foi sujeito nos últimos anos, e que, em boa hora, terminou com Bruno Lage. Samaris foi suplente de suplentes ou alternativa de segundo plano a jogadores no máximo sofríveis (se exceptuarmos, evidentemente, Fejsa), como Filipe Augusto, Danilo e Alfa Semedo. Recentemente - e, em minha opinião, extemporaneamente, numa altura decisiva do campeonato com Samaris agora titular - o presidente do SLB disse que «quem não gosta de estar cá, não está cá, o Benfica não incomoda ninguém. O Benfica trata toda a gente bem, oferece as condições que pode oferecer, mais do que isso o Benfica não irá fazer». Gasta-se tanto dinheiro com barretes de jogadores, com outros que nem alguma vez se sentaram no banco do Benfica, com renovações milionárias de atletas que passam parte das temporadas na enfermaria e é pena ver-se arrastada a decisão sobre o atleta grego que tão decisivo tem sido nesta caminhada para o título. Acresce que jamais se ouviu um queixume ou se leram declarações suas sobre o tal desterro a que foi sujeito, demonstrando ser um excelente profissional que até fala melhor português que a maioria do plantel. Para mim, Samaris deve continuar no seu e meu Benfica.
3 - Enquanto o Brexit político se transformou num labirinto obscuro e de difícil previsão, eis que, no futebol europeu, o Continente caiu aos pés do New Remain inglês. Nas taças europeias, duas finais vão acontecer entre quatro equipas inglesas: Liverpool, Tottenham, Arsenal e Chelsea. Dos maiores clubes, só lá não estão os dois de Manchester, o que também não deixa de ser surpreendente. Em finais de campeões, não está lá nenhum campeão nacional. Desde logo, porque falta o City que venceu a Premier League do ano passado e deste ano. Dos agora finalistas da Champions, o Liverpool já não é campeão há 29 anos (desde 1989-90) e o Tottenham há 58 anos (desde 1960-61)! E mesmo os finalistas da Liga Europa também não vencem a prova nacional há 4 anos (Chelsea) e 15 (Arsenal).
O futebol jogado na ilha britânica merece esta notável fase de supremacia. É lá que se joga o melhor, ou, pelo menos, o mais excitante futebol mundial. Foi lá que, inteligente e eficazmente, se erradicou a fase mais funesta do hooliganismo e de mentalidades de ódio, vingança e violência gratuita. É também lá que os direitos de transmissão são mais propensos à igualdade de oportunidades para todos os clubes. É o seu futebol que melhor exporta qualidade para todo o mundo, sabendo melhor do que os outros conciliar a indústria com o desportivismo e o entusiasmo. É lá que ninguém perde tempo a queixar-se de jogos a mais e a esmiuçar ad nauseam as arbitragens que, na maioria das vezes, passam despercebidas. É lá que a justiça é mais justa, desde logo porque é fulminantemente rápida, preventiva e dissuasora, sem manobrismos de contestação ou apelo. É lá que os estádios estão cheios, onde não se vêem atitudes cretinas de adeptos e onde se canta na vitória e na derrota. É lá onde qualquer jogo pode ter qualquer resultado, em que se corre que até cansa ver e onde se joga o primeiro e o último minuto com a mesma vontade, sem fitas teatrais e tempos escandalosamente queimados.
É de assinalar que as equipas inglesas não têm muitos jogadores britânicos. Como é curioso verificar que os principais treinadores não são ingleses. Por exemplo, os treinadores finalistas são um alemão, um italiano, um argentino e um espanhol! Mas tudo isto não impede - pelo contrário, robustece - um futebol à inglesa feito de vibração, fulgor físico, eficácia, dinamismo, velocidade. Por outras palavras, não é o futebol inglês que se adapta aos parâmetros continentais, mas os treinadores e atletas continentais que se entregam à cultura e tradição futebolísticas britânicas.
Os jogos das meias-finais, particularmente os da Champions, foram memoráveis. Jurgen Klopp sem Salah, Firmino e até Keita, vindo de um injusto 0-3 de Barcelona, não se queixou e vergou a equipa de Messi. O que seria por cá de lamechice num contexto como este? Esta partida também veio reforçar a ideia de um Barcelona velho que apesar de ter o genial argentino ainda em grande plano, deixou de ter o mais poderoso trio de que me lembro na construção de futebol: Messi, Iniesta e Xavi. A saída destes dois fantásticos, inteligentes e discretos jogadores não tem, agora, solução à altura. Já o encontro em Amesterdão foi divinal como espectáculo que consagra a beleza do melhor futebol. Tive pena da eliminação do Ajax, até pelo dramatismo de que se revestiu, mas reconheço a crença e a força do Tottenham - que eliminara antes o Man City e o Dortmund, tal como o Ajax tinha mandado para casa o Real Madrid e a Juventus - que nunca desistiu e sempre se achou no justo direito de sonhar. O golo decisivo da equipa inglesa aconteceu precisamente decorridos os 5 minutos de compensação dados pelo árbitro. Imagino o que seria entre nós: 5 minutos? Deveriam ser 3 ou, no máximo 4, o árbitro tirou-nos a final… etc., etc. Lá nem uma palavra. Até nisso o jogo foi exemplarmente belo!