Benfica - dia 1 de longa estrada
Roger Schmidt não vem para pôr a sua nova equipa a jogar à Benfica, mas para a pôr a jogar à Roger Schmidt. É um projeto com assinatura
COMO se fosse num rali, o Benfica está obrigado a cumprir o mesmo difícil percurso do ano passado. Começa logo com uma classificativa de decisão crucial. No ano passado, o condutor foi hábil e abriu a grande prova com talento e distinção. Alcançou a primeira meta considerada como decisiva e teve o direito a entrar, com os grandes, na maior corrida da Europa. Depois vieram as sinuosas e traiçoeiras etapas nacionais e algures numa curva do caminho o carro despistou-se e o condutor nunca mais o agarrou.
Agora, o piloto é alemão e começa hoje mesmo a preparar a grande corrida. É o dia 1 de uma longa estrada que sabe-se onde começa, mas nunca se sabe onde acaba. É, de todas as dificuldades, a maior. Por isso, o condutor tem a natural tentação de dizer que a corrida se faz etapa por etapa, curva por curva. A primeira começa cedo, na altura em que a maioria dos portugueses vai a banhos e isso obriga a um planeamento muito especial. Começar cedo e esperar que a estrada seja o mais longa possível requer engenho e talento profissional, mas também recursos. Tudo isto já seria suficientemente complexo, mas há ainda a juntar o facto problemático do Benfica estar a construir uma nova equipa. Poderá não ser uma equipa inteiramente nova, mas será sempre uma nova equipa. Porque terá muitos jogadores diferentes, que terão de ganhar identidade de grupo, porque terá outro conceito de jogo, porque terá de se adaptar a novos sistemas.
É importante que se diga, desde já: Roger Schmidt não vem para pôr a equipa a jogar à Benfica, seja lá o que isso queira dizer, mas vem para pôr a equipa a jogar à Roger Schmidt. Pode causar apreensão, até alguma repulsa aos benfiquistas mais românticos, mas todos os treinadores com estatuto e personalidade não prescindem de equipas com um projeto pessoal de assinatura, como se fossem arquitetos que deixam a sua marca nas obras que criam.
Nenhum benfiquista se importará, desde que as coisas corram bem, a equipa ganhe, reconquiste o direito a jogar na Liga dos Campeões e regresse à condição natural de lutar pelo título até ao fim.
Porém, não há condutores infalíveis, nem carros totalmente fiáveis, sobretudo quando novos e ainda não experimentados. Por isso existe um risco grande no que respeita à qualificação para a Champions. É um desafio cruel, porque se torna, tão cedo, decisivo. Há, evidentemente, uma importante questão económica, pelo valor que representa jogar na melhor prova da Europa, mas há muito mais do que isso. Há uma criação de estado de alma dos adeptos, que é fundamental para arrastar a equipa para o lado do sucesso; há a construção de um sentimento de confiança e de convicção da parte dos jogadores; há toda uma aura de positividade que ajuda a ganhar jogos e até a ter sorte.
Não chegar à Champions pode, pois, ter efeitos drásticos para o resto da época, porque provoca uma desconfiança geral no futuro e a ideia de que a solução, afinal, fica aquém do problema. E ter, tão cedo, efeitos drásticos para toda uma época é levar muitos adeptos a voltar ao ponto zero da discussão estrutural do clube e dos seus principais responsáveis.
Percebe-se, assim, que o Benfica parte para a grande corrida do ano em circunstâncias de alta pressão e de densa expectativa. Podia dizer-se que a situação é de tal forma complexa que impunha ter alguma racionalidade e um rigoroso espírito de entendimento das circunstâncias que levasse à teoria da compreensão geral das massas. Não acontece, muito menos quando se trata de futebol, muito menos ainda quando se trata de futebol em Portugal.
Roger Schmidt, treinador do Benfica
DENTRO DA ÁREA – SPORTING E A LUTA CONTRA O SISTEMA
Um comunicado oficial do Sporting dá-nos conta de ter havido na reunião com o novo secretário de Estado do Desporto grande sintonia de ideias quanto a questões essenciais do futebol português. Foram dados como exemplos o ataque à viciação de resultados, o combate à violência e a preparação de uma nova lei das Sociedades Desportivas que garanta melhor o controlo dos investidores. Há, ainda, uma informação importante e que passa despercebida, mas que refere a luta contra o condicionamento do sistema. Ainda existe!
FORA DA ÁREA – DEIXARAM ANDAR MONSTROS À SOLTA
Há uma tragédia em cada criança que morre, seja em que parte for do mundo. Em Portugal, a morte da pequena Jéssica assumiu contornos de tal forma macabros, que não podem ser entendidos por uma mente sã. Andaram monstros à solta e agora procuram-se, como de costume, os culpados de os terem deixado agir como monstros. Não me venham falar outra vez na culpa da sociedade. A culpa, aqui, é pessoal e intransmissível, mas não está solteira. O Estado que devia ter protegido não protegeu. É um Estado de faz de conta.