Benfica à deriva

Benfica à deriva

OPINIÃO16.04.202306:30

Em oito dias o Benfica passou de um estado de euforia para um estado de depressão. Nos últimos três jogos sofreu o triplo das derrotas dos 45 anteriores. As sirenes estão a tocar e o Benfica não está a conseguir reagir

DIAGNÓSTICO: PONTO FORTE TORNOU-SE NO PONTO FRACO 

DURANTE a temporada existem momentos distintos. Por norma, todas as equipas passam por uma fase complicada. No caso do Benfica, essa fase surge no pior momento que é a fase das decisões. É indesmentível que o F.C. Porto acaba por ter um papel fundamental no atual desempenho do rival. Pela forma como se impôs na Luz, como conseguiu anular os pontos fortes do Benfica e como mentalmente foi mais forte, fez com que a equipa de Roger Schmidt começasse a desconfiar de si mesma. O jogo com o Inter foi a confirmação da apatia do Benfica quando encontra pela frente um adversário que bloqueia os movimentos que os encarnados tão bem faziam anteriormente. 

Como não existem duas sem três, o jogo frente ao Chaves, que poderia ou deveria ter sido o jogo do regresso à normalidade, voltou a demonstrar uma equipa sem confiança, ansiosa, sem capacidade para desbloquear os adversários e que está a entrar numa espiral negativa relançando a luta pelo título. Como nota importante, nestes três jogos podemos percecionar a dificuldade de Roger Schmidt em mexer no jogo, de maneira a ajudar a equipa, quando as coisas estão complicadas. De uma forma simples, aquele que foi o ponto forte do Benfica até ao jogo com F.C Porto, que consistia num jogo ofensivo, atrativo, com constantes trocas posicionais e baseado numa estrutura que não mexia muito, tornou-se no seu atual ponto fraco. Porquê? Porque a partir do momento em que os adversários conseguem bloquear a forma de jogar da equipa do Benfica ou os jogadores não estão confiantes, Roger Schmidt (RS) não tem um plano B. A ausência de plano B, nestes momentos de menor fulgor, faz com que o Benfica fique sem reação, apático e com que os adversários percam algum do respeito que tinham. Por fim, começa a sentir-se a falta de Enzo na equipa, porque é um jogador que pensa diferente, mais rápido e que encontra sempre uma linha passe ofensiva que ajudou a desbloquear muitos jogos.


E AGORA? 

NO caso do Benfica, é preciso recuar até à época de 2018/2019 para encontrarmos uma sequência de três derrotas consecutivas. Para piorar o cenário, o próximo jogo é de grau de dificuldade muito elevado (Inter), podendo fazer com que num cenário negativo, mas perfeitamente possível, o Benfica possa ter uma sequência de quatro derrotas seguidas. Nestes momentos, a experiência é a melhor conselheira. Muito mais do que jogar bom futebol, é fundamental ganhar. As vitórias são a melhor forma de recuperar a confiança de jogadores e adeptos. Será fundamental todos colocarem a mão na consciência e analisarem os motivos pelos quais o Benfica teve estas três últimas prestações. Se começarmos no treinador, percebemos o discurso e a forma positiva como aborda os temas. Não dramatizar é, sem dúvida, uma boa opção. Porém, Roger Schmidt deve também analisar a forma como se tem comportado no banco de suplentes. Não estou com isto a dizer que deve gesticular mais ou gritar.

O que estou a querer explicar é que os treinadores têm várias missões: a primeira é trabalhar, durante a semana, o próximo jogo, definir um plano e analisar o adversário, preparando a equipa para o que vai encontrar. A segunda é ter a capacidade de analisar o jogo durante os 90 minutos e ter a perspicácia de saber mexer com as peças que tem à disposição. O treinador pode mexer pela via coletiva ou pela via individual. No caso de RS, percebemos que só tem um único plano, pelo que se os adversários bloquearem o jogo do Benfica, não existe uma alternativa trabalhada para mexer com o jogo. A única alternativa disponível é alterar o rumo dos acontecimentos pela via individual. Colocar jogadores com características diferentes, dando-lhe tempo para poderem acrescentar e, em simultâneo, através das substituições, demonstrar aos seus atletas o que pretende do jogo (maior pressão no adversário ou controlo do jogo). Por fim, um treinador tem de perceber a circunstância em que se encontra. É verdade que o Benfica tem quatro pontos de vantagem sobre o segundo classificado, mas a realidade é que há duas jornadas tinha dez. Se a teimosia se mantiver e a equipa continuar com o mesmo ritmo que apresentou nos últimos três jogos, o resultado final não vai ser positivo.


OBRIGADO MEUS AMIGOS! 

NO dia 21 de janeiro escrevi o seguinte: «Ao longo dos últimos anos, verifico a falta de muitas mudanças estruturais na forma de trabalhar da LPFP. Vejo sim, maior preocupação com a sua imagem, com a forma como comunica e como pretende valorizar-se.» Como em tudo na vida, trabalhar a imagem é importante, mas se esta não for acompanhada por uma transformação no conteúdo ou assente em mudanças estruturais, mais tarde ou mais cedo, a realidade virá ao de cima. Na última quarta-feira, a liga neerlandesa publicou um vídeo nas suas redes sociais assinalando um facto e um marco fundamental no crescimento da sua liga: alcançar o 6º lugar no ranking UEFA, ultrapassando Portugal, permite aos Países Baixos terem três clubes na Liga dos Campeões (dois com entrada direta e um nas pré-eliminatórias). Em sentido inverso está Portugal. 


DE QUE ESTAMOS À ESPERA?

EXISTEM várias formas de analisar esta dura realidade. Possivelmente, aqueles que gerem os destinos do futebol português vão apontar no sentido de ser injusto uma vitória na liga das confederações ter o mesmo peso que uma vitória na Liga dos Campeões. Este raciocínio até pode ter alguma lógica, mas será isto que faz a diferença? Analisando a liga neerlandesa, podemos constatar que em 2017/2018 estava no 14.º lugar do ranking! Cinco anos depois estão em sexto e com três equipas a terem acesso à liga milionária. Para os mais distraídos esta performance pode dever-se à sorte ou ao momento de uma ou outra equipa. Para os mais informados, esta recuperação deve-se a um plano que foi criado por quem dirige o futebol dos Países Baixos. A primeira diferença é que a média de espetadores na liga dos Países Baixos é de 19 mil, com o pior estádio a ter uma taxa média de ocupação de 70%. 

Em Portugal, a média de presenças é de 13 mil, com alguns estádios e terem médias de ocupação de 10% a 15%. Isto demonstra desinteresse.Se nós não valorizamos os nossos jogos, quem valorizará? Outro exemplo muito simples, que advém de uma decisão de quem dirige os destinos da liga neerlandesa, é a forma como ficou estabelecido que aqueles que têm êxito nas competições europeias dividem com todos os outros uma percentagem do seu ganho. O objetivo é que a performance financeira associada aos jogos europeus seja distribuída por todos aqueles que, de uma forma indireta, contribuem para o sucesso desportivo de alguns. 

De uma forma inteligente, esta medida faz com que TODOS os clubes se sintam valorizados e que possam crescer de uma forma sustentada e equilibrada, tentando reduzir disparidades. A perceção de que TODOS juntos são mais fortes, é o caminho que lhes permite estarem onde estão. Por cá, pelo contrário, continuamos muito mais focados em analisar erros de arbitragem, em gerar paixão pelo ódio ao adversário ou em apresentar fotografias em que os presidentes estão todos muito unidos, mas assim que saem das reuniões utilizam palavras como nojo. Quando ganham, os departamentos de comunicação distribuem sorrisos, mas quando estão sob pressão restringem as conferências a quatro ou cinco perguntas, não permitindo que os protagonistas se façam ouvir. Continuamos a não perceber que, enquanto mantivermos esta filosofia de cada um pensar apenas em si próprio, seremos cada mais fracos fora de portas. Porquê? Porque iremos ter cada vez menos espaço nas grandes competições e, consequentemente, menor capacidade financeira para poder continuar a lutar ao mais alto nível. Internamente, poderemos ter uma ou outra equipa a dominar, mas iremos sempre nivelar a nossa liga por baixo, porque até os orçamentos dos maiores clubes irão ter de baixar. Em 2024/2025 vamos ter apenas uma equipa a entrar de forma direta na Liga dos Campeões. 

Em Portugal existem três clubes grandes e um quarto que começa a morder os calcanhares aos de cima. O meu receio é que esta descida no ranking, em vez de ser um alerta e um abre olhos, se transforme numa guerra ainda mais agressiva que, no limite, nos continue a levar por este caminho suicida. Termino citando uma frase de Pedro Proença, e que enunciei no artigo de dia 5 de março: «Agora não existe espaço para aventureirismos». Caro Pedro, analisando os factos, nos últimos dez anos, houve alterações no dirigismo em Portugal? O caminho que estamos a seguir é o correto? A nossa liga, comparada com as outras, teve o mesmo crescimento? Com a descida no ranking, ganhamos ou perdemos poder negocial nos direitos de centralização de TV? Temos um produto, como um todo, cada vez mais atrativo? Porque não conseguimos atrair público aos estádios?


A VALORIZAR

Rúben Amorim. Mais uma grande exibição europeia. É fantástica a forma como Rúben Amorim consegue desinibir e tirar proveito dos jogadores que tem à disposição. Coragem e determinação são a sua marca, que complementa com uma forma única de comunicar.


A DESVALORIZAR

Roger Schmidt. Tantas vezes considerado a figura do campeonato, nos últimos três jogos não tem conseguido ajudar a sua equipa a dar a volta a um momento complicado.