Bem-vindos, os ingleses
Repare-se no dezembro louco do Liverpool. No dia 4 recebeu o Everton (5-2), a 7 foi ao campo do Bournemouth (3-0) e a 10 ganhou (3-0) na Áustria, diante do Salzburgo, para a Liga dos Campeões. A 14 recebeu o Watford (2-0), hoje uma equipa secundária é utilizada na casa do Aston Villa (Taça da Liga) e a principal defronta amanhã os mexicanos do Monterrey, no Catar, para a meia-final do Mundial de Clubes.
No sábado, em princípio, o Liverpool disputa a final, provavelmente com o Flamengo de Jorge Jesus, e regressa a Inglaterra para uma recuperação acelerada e passagem breve pelo Natal porque na quinta-feira, dia 26, joga em Leicester e no domingo seguinte recebe o Wolverhampton, em obediência ao calendário da Liga inglesa. Mesmo assim fica um jogo em falta, com o West Ham, que se sobrepunha à data da final do Mundial de Clubes.
Na primeira semana de 2020, o Liverpool recebe o Sheffield United, logo no segundo dia do Novo Ano, e visita o vizinho Everton três dias depois, para a Taça de Inglaterra.
Feito o somatório, o Liverpool tem de realizar onze jogos no período de um mês e cinco dias, com um título internacional de permeio para decidir e a particularidade de ter aceitado desdobrar o plantel para responder a dois compromissos em datas coincidentes: Aston Villa (Taça da Liga) e Monterrey (Mundial de Clubes).
Imaginemos idêntico cenário na lusa pátria. A confusão que seria. Reuniões, pedidos de adiamentos e alteração de calendários, acusações, direções de comunicação aos gritos, dirigentes com mais anos de prática a espalharem veneno, treinadores frenéticos a disparatarem, governantes preocupados com a gritaria e comentadores de cachecol, agitadíssimos, a chafurdarem na mexeriquice. No entanto, em Inglaterra, se é preciso jogar, joga-se, porque o futebol é isso mesmo, um jogo.
Este exemplo do Liverpool é paradigmático para os treinadores portugueses, geralmente atrapalhados com o volume de jogos, recuperações, gestões e essas complicações várias. Devem reparar no senhor Klopp e ver como ele faz, como reage, como se adapta, como preparara os jogadores sem choraminguices nem queixinhas. Pelo contrário, diz o que tem a dizer sem jamais perder a compostura, nem a altivez natural de quem representa um emblema de referência mundial. Encara os obstáculos com a confiança de um verdadeiro líder, seguro das suas capacidades e em respeito total pelas dos oponentes, além de ter sempre presente a festa que o futebol simboliza: nunca, mas nunca um alfobre de rancores como, por cá, haja quem insista em promover.
Não pode, pois, passar despercebida a influência que está a ser exercida no campeonato português por treinadores que também beberam da fonte do futebol inglês e que, discretamente, mas de uma forma assertiva, se impõem pelas suas ideias e pelo seu posicionamento perante o próprio jogo, aproximando-se de Jurgen Klopp e distanciando-se de hábitos canhestros e em fim de ciclo, embora ainda estranhamente aplaudidos entre nós por gente ilustre que continua a achar que dividir para reinar é o melhor remédio.
Aplaudo a serenidade com que João Pedro Sousa se apresentou numa conferência de imprensa após ser derrotado, ignorando questões enviesadas e concentrando-se no essencial: a história do jogo e o desempenho da sua equipa, fazendo-o em linguagem clara e eloquente.
OFamalicão representa uma brisa de ar fresco na nossa Liga, praticando um futebol admirável, com escola, atitude e saber, porque aquele enquadramento harmonioso não é obra do acaso. Pelo contrário, transporta um conceito novo, pensado, assimilado pelos praticantes e trabalhado por um treinador que dá provas de ser capaz de inovar sem se pôr em bicos de pés nem alterar o tom de voz.
Vale a pena comprar bilhete para ver o Famalicão, não se recomenda que se gaste um cêntimo para ver o Boavista. E sugiro comparação na sequência do que se viu ao grupo boavisteiro diante do Marítimo, um pesadelo, e, logo a seguir, o que a equipa famalicense ofereceu na Luz, frente ao Benfica, como já fizera, aliás, no Dragão e em Alvalade. Que grande jogo. Repito, que grande jogo, com os mesmos temperos da Liga inglesa, intensidade, alegria, disponibilidade física e discussão viva e leal até ao derradeiro apito do árbitro. Por isso, Bruno Lage expressou o seu conforto por sentir feliz o público que teve o privilégio de testemunhar no estádio um espetáculo futebolístico de elevada qualidade, apenas possível por o Famalicão ter estado à altura do Benfica na forma como abordou a competição.
José Gomes, então a medir a pulsação ao Marítimo, igualmente no Estádio da Luz, tentou o mesmo caminho e explicou até as suas opções, mas logo foi atingido por observação rasteira vinda dos exaltados do costume. Não interessa…
Nota final - Lenços brancos para Ricardo Sá Pinto? Não foi ele quem guiou o Sporting de Braga à vitória no grupo da Liga Europa? Claro que foi. Tenham paciência, mas é nas derrotas que os (bons) adeptos têm de apoiar jogadores e treinadores. Porque nas vitórias não é preciso…