Belo exemplo de Tiago Martins

OPINIÃO27.04.202107:00

No rescaldo do SC Braga-Sporting, os treinadores falaram de tudo menos do árbitro. Prova de que é possível mudar, basta querer

CONTINUA a falar-se exageradamente de arbitragem, quando a prudência sugere o contrário, mas dá um jeito tremendo ver nela o bode expiatório de que presidentes, treinadores e diretores de comunicação de todos os clubes se servem, sem pudor, para endossarem culpas por objetivos desportivos não cumpridos, alijarem responsabilidades e manipularem as massas adeptas.
A única dúvida reside, apenas, na identificação do foco crítico mais agressivo. Talvez seja a classe de  treinadores, por estar mais exposta aos resultados e às reações que deles emanam.
É inequívoco que tem sido feito um esforço enorme por parte do Conselho de Arbitragem da FPF no sentido de aperfeiçoar o nível de desempenho dos árbitros e que a maioria tem correspondido com relativo sucesso. No entanto, a súbita  profusão de  especialistas nesta área sensível não tem produzido o efeito pacificador que seria desejável por, regra geral, revelar-se pouco capaz de enriquecer o esclarecimento público e de contribuir para a melhoria da imagem do árbitro. Embora haja quem se esforce.

ESTE aparente fracasso deve-se, quanto a mim, a  duas razões: o excesso de rigor utilizado naquilo a que chamam a interpretação da lei e o recurso frequente, a raiar o doentio, à descodificação de lances, transformando situações normais de um jogo que é diferente em casos suscetíveis de consumirem horas de discussão de duvidosa utilidade e que só adquirem essa relevância devido ao exagero na perseguição do pormenor, elevado ao ridículo de se pedir a ampliação da bota de um jogador para o apuramento microscópico da existência de toque ou não toque no pé de um adversário.
Além de outras futilidades que só alimentam o ambiente de crispação vigente, principalmente a partir de agora, na reta final do campeonato.  

OLHO para os  árbitros todos no mesmo patamar, porque não tenho relação pessoal com nenhum deles, mas sei ver que Artur Soares Dias é o melhor de todos e o seu mérito reconhecido,  sobretudo além fronteiras, porque, cá dentro, ora o desqualificam, ora o enaltecem, em função do momento e da conveniência, como faz o presidente do FC Porto, o qual, com idêntica ligeireza, tanto o convida a abandonar a arbitragem por falta de competência, como logo a seguir confessa ver nele todas as condições para ser um árbitro de topo europeu.  
Sei também destrinçar os picuinhas, os  que apitam por tudo e por nada, dos que deixam fluir o jogo,  recusam dar cobertura às  manhas dos jogadores e tentam, na medida do possível, estender o tão mal tratado tempo útil de jogo. 

GOSTO de Manuel Mota, que tem essa preocupação  desde há muito, e fiquei admirado com Tiago Martins pelo seu magnífico trabalho no recente FC Porto-V. Guimarães. Que jogo fantástico, pelo ritmo, pela velocidade, pela lealdade dos praticantes e pela intensidade competitiva, principalmente na segunda parte, a seguir ao golo de Marega, à reação vimaranense e à resposta portista. Sempre em vertiginosa rotação, à semelhança do que se observa nas mais elogiadas Ligas europeias.
Os jogadores nem tempo tiveram para se coçar, muito menos  para fazerem batota com os truques do costume. Por outro lado, os treinadores estiveram obrigados a   concentração máxima, com Bino Maçães a exigir o limite aos seus  e Sérgio Conceição a responder com eficiência aos complexos desafios que lhe foram colocados. Tudo isto a dever-se ao critério largo seguido por Tiago Martins. 

ASSIM, de repente, não vislumbro no passado recente jogo tão arrebatador na nossa Liga,  agradecendo a Tiago Martins por me ter colado ao televisor com o entusiasmo de quem  perde a noção do tempo e fica desolado quando a festa acaba. E que festa de futebol este jogo foi!
Para espanto meu, porém, notei que uma arbitragem que me pareceu de nota alta, diria até exemplar, foi alvo de azedos reparos por parte de peritos na matéria. Fiquei intrigado. Afinal o que é  que se pretende: este futebol arrojado e verdadeiro, ou aquele futebol habilidoso, feito de faltas e faltinhas?
Estarei no lado errado da coisa, admito, mas é minha convicção de que o nosso futebol muito beneficiará, principalmente os seus  habituais representantes nas competições europeias, se arbitragens  como esta, assinada por Tiago Martins, fizerem escola nos relvados da Liga portuguesa.

NOTA FINAL — No rescaldo do SC Braga-Sporting, que cativou quem o seguiu do primeiro ao último minuto, quer Carlos  Carvalhal, quer Rúben Amorim falaram do jogo, dos jogadores, das táticas, das estratégias, das incidências e, surpresa das surpresas, ignoraram o árbitro. Prova de que é possível mudar, basta querer.