Azuis, vermelhos
Par mim, que nasci em democracia e que via (e vejo) na América uma terra de liberdades e sonhos, sinto-me por estes dias num livro de história, ou num de Philip K. Dick. Por lá se anda a votar entre vermelhos e azuis e o dilema é esse: vermelhos e azuis. É tudo um Benfica-FC Porto.
Os americanos, e nós, infantilizaram-se e pelo planeta se veem mais as coisas como se de futebol se tratassem, aquele espaço de irracionalidade partilhada e criancice, no qual ou se é de uma coisa ou de outra. E isto, espontaneamente, está assim na decisão mais importante por estes tempos. O vermelho e o azul, as cores dos partidos, dos estados. As cores das pessoas. Parece tudo uma coisa tão remota, e tão eterna, que toda a gente entende e pronto, e na verdade nem é assim.
Se na América os azuis são democratas e os vermelhos republicanos, na Europa este azul e vermelho trocam-se, pois o azul conota-se com a direita e o vermelho com a esquerda. Mesmo na América chegou a ser assim: os azuis já foram os republicanos. Em todo o caso, o problema não é a correspondência de cores, é a existência delas, a forma como nos reduzem ao elementar: escolher a cor. Ser vermelho como do Benfica ou azul como do FC Porto e acaba aí. Acabou-se a persuasão, grita-se para o eleitorado assegurado, para os adeptos, aos quais não interessam crimes, suspeitas ou mentiras.
São tempos duros, estes, durante os quais julgo que cada coluna, cada opinião, cada jornalista, cada pessoa de valores e princípios de sentido e senso comum, como eu, deve escrever isto pelo menos uma vez. Pelas verdades autoevidentes que a Declaração de Independência dos EUA consagra, transversais pela simplicidade. Só isto: verdades autoevidentes. Não se explica melhor. A ideia é tão boa que qualquer explicação a estraga. É o meio-campo das coisas.