Associação de classe ou falta desta ? ...

OPINIÃO02.01.202103:00

Natal é época de paz e tolerância e, por isso mesmo, tempo para interromper as críticas mais duras ou menos simpáticas. No meu caso, o facto de ter passado o Natal fora de Lisboa e me ter esquecido do computador veio mesmo a calhar para suspender, na época natalícia, as minhas críticas ao sistema de arbitragem e suas nefastas consequências. Não pensaram assim os árbitros em geral (com o VAR incluído), que entenderam ser os protagonistas de mais uma jornada. E no que respeita ao Sporting valeu o presente de boas festas que Adán deu ao Rui Costa, useiro e vezeiro em prejudicar o Sporting, com a defesa do pontapé de grande penalidade. Mais uma vez se escreveu direito por linhas tortas, mas tem sido penoso nestes dias ouvir baboseiras sem nexo. Só me faltou ver sustentar que o guarda-redes quando saiu da baliza para fazer a mancha, como aliás lhe competia, devia perante o choque inevitável afastar-se e deixar passar o avançado do B SAD para fazer o golo. Houve quem falasse em obstrução!!! Foi pena que o avançado do B não tenha passado a bola ao Varela para assim ficar evidenciado o que era por demais evidente: o fora de jogo!

Seria cínico ou hipócrita assumir, aqui e agora, os votos de que a arbitragem melhorasse no ano de 2021, deixando a culpa da sua incompetência e falta de isenção, casada com a pandemia, que todos queremos esquecer com a vacina da esperança. Para a arbitragem não há vacina, sendo apenas necessária a alteração de um sistema ridículo e que julgamos inédito no futebol europeu - a arbitragem é administrada e controlada por um organização de classe dos árbitros, conhecida pela sigla APAF, que também pode significar Associação Portuguesa dos Amigos do Fado, sendo que naquela o fado e os fadistas são outros!...

Recordamos que o conceito de federação desportiva dado pela Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto, e pelo regime jurídico das federações desportivas, não engloba associações de classe. Na verdade, pessoas colectivas que possam estar englobadas nas federações desportivas são apenas as associações de âmbito territorial, os clubes e as sociedades desportivas, as ligas profissionais (se houver, como há, no futebol) ou outras entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento do futebol, que não são manifestamente os objectivos definidos pela própria APAF!

Na verdade, nos termos do artigo 1.º dos seus estatutos, a APAF é uma associação de classe, que tem por objeto social essencial a representação dos interesses dos associados e dos agentes de arbitragem junto de todas as autoridades ou instituições, públicas ou privadas, designadamente FPF, LPFP e Associações Distritais e Regionais, e qualquer dos seus órgãos, entidades ou comissões, podendo, para tanto, aderir a organizações desportivas, nacionais ou internacionais, ou participar na sua constituição; a defesa dos interesses dos Associados no âmbito do exercício da sua atividade dos agentes de arbitragem, ou por causa dela, nomeadamente através da prestação de assistência jurídica e da negociação, com as autoridades desportivas, das melhores condições do exercício da função dos árbitros e das atividades destes; fomentar, desenvolver e apoiar a formação dos associados, em todos os capítulos, nomeadamente, através da colocação à sua disposição de produtos e serviços relacionados com a atividade da associação; e promover, ou apoiar, as atividades de natureza cultural e recreativa, destinadas aos associados e aos seus familiares (artigo 3.º). Como se constata, o objectivo é a defesa dos interesses dos associados, não o interesse da arbitragem ou do futebol. Para perceber isto não é preciso ser jurista, bastando não ser analfabeto.

E assim sendo, a que propósito é que a APAF é sócia ordinaria da Federação Portuguesa de Futebol? A que título é o Presidente da APAF delegado por inerência da Assembleia Geral da FPF? Nos termos do regime jurídico das federações, os sete e meio por cento dos delegados estão atribuídos a estes e não a uma associação de classe que não representa todos os árbitros (artigo 36.º).

Uma outra pergunta que faço, sem rodeios, respeita à composição do Conselho de Arbitragem fixada nos estatutos da FPF: um Presidente, três vice-presidentes e nove vogais com qualificações específicas do sector da arbitragem, preferencialmente árbitros licenciados. Mas preferencialmente árbitros licenciados porquê? Se eles foram incompetentes ou não isentos, enquanto árbitros, por que hão de ser melhores como dirigentes? É mais um órgão corporativo para se protegerem uns aos outros nos seus interesses, prolongando no tempo a promiscuidade entre o CA e a APAF. Não estou a inventar nada, mas apenas a tirar conclusões de factos passados, mais próximos ou mais remotos. É uma situação ridícula que não consigo ver replicada em qualquer outro país onde se disputam as competições profissionais de futebol! É uma atitude criativa da exclusiva responsabilidade da FPF, uma vez que, em matéria de arbitragem, a Lei apenas impõe que ela seja estruturada de forma a que as entidades que designam os árbitros para as competições sejam necessariamente diferentes das entidades que avaliam a prestação dos mesmos, situação que é teoricamente respeitada, mas que não evita que o Presidente do CA designe os árbitros e sua esposa os avalie! Não se trata de violência doméstica, mas violação da transparência!

Mas também não deixa de ser curioso observar as coisas do lado dos estatutos da APAF para ver como é ridícula e promíscua a sua relação com a FPF e o seu Conselho de Arbitragem. Na verdade, esta associação de classe afirma-se pomposamente independente do Estado e da FPF para, logo a seguir, dizer que os seus estatutos se regulam pelos princípios orientadores da FIFA, da UEFA e da FPF, que nesta está filiada e subordinada às normas técnicas e regulamentares por esta emitidas desde que não colidam com a sua autonomia, princípios e objectivos. Trata-se de um conceito sui generis de independência, em nome do poder. Contudo, a culpa não é deles, mas sim da FPF, que, sem qualquer justificação legal ou moral, os integrou e lhes deu esse poder.

Importaria que os clubes discutissem as arbitragens, não ao nível do penálti ou do fora-de- jogo, como se apenas de conversa de café se tratasse, e discutissem antes os princípios estruturais da arbitragem, que é o que importa. Enquanto a arbitragem estiver na mão de uma associação de classe será a arbitragem que não terá classe!...

O fado a sério

Falei no início da minha crónica de fado e de fadistas. Por ironia, quando o acabava, tomei conhecimento de que se calou para sempre uma das maiores vozes do fado. Por morrer uma andorinha não acaba a primavera, era um dos fados que ele cantava com genialidade e sentimento. Por morrer um fadista não acaba o fado, mas com o falecimento de Carlos do Carmo o fado fica mais pobre, porque perdeu um dos seus maiores intérpretes.
Adepto confesso do Clube de Futebol Os Belenenses, era um homem muito afável e sempre muito simpático comigo desde há uns anos em que nos conhecemos pessoalmente na casa de fados onde então cantava. Casa cheia de nacionais e estrangeiros em que todos e cada um pedia um fado, mas sem ver satisfeita a sua pretensão. Eu gostava (e gosto) muito de um fado - Não se morre de saudade - e atrevi-me a solicitar que o cantasse, sendo surpreendentemente correspondido no meu desejo. Não me esqueci disto quando muitos anos depois nos voltámos a encontrar e foi de grande generosidade na apreciação que fez das minhas intervenções na televisão, e lhe contei essa cena. É evidente que não se lembrava, mas achou natural porque me confessou que era dos fados que mais gostava de cantar.
Carlos do Carmo não morreu de saudade, mas deixa em todos os amantes do fado, como eu, uma enorme saudade! Nos céus, silêncio que se vai cantar o fado!...