Arlindo
Tinha muito para escrever sobre a última semana, mas não o vou fazer. Perdoem-me os leitores se acham que vos desiludo, mas, enquanto escrever nesta coluna, entendo que a única forma de o evitar é não me desiludir a mim próprio. Hoje quero falar do Arlindo. A maldita doença levou-lhe primeiro a voz para depois lhe tomar o corpo.
O Arlindo era contínuo no jornal há muitos anos. Mas era, para mim, para nós, bem mais do que isso. Não paro de recordar as intermináveis, repetitivas e acesas discussões sobre futebol na redação. Vou sentir saudades, sobretudo, das segundas-feiras.
Quando as coisas, no fim de semana, corriam de feição aos seus pontos de vista, entrava ao ataque, mas, ao invés, quando os factos contrariavam os seus argumentos (até olhávamos para o relógio, ansiosos), entrava de mansinho e refugiava-se na sua sala até ser provocado por mim, pelo Nuno Paralvas ou pelo Paulo Alves, com o Nuno Reis, o Rui Melo, o Rui Baioneta, o Nuno Raposo, o Luís Simões ou o Paulo Jorge Santos (para citar apenas alguns) sempre dispostos a meter lenha na fogueira.
Havia um carinho mútuo e, caramba, como nos divertíamos. Um dia, eram já duas da manhã e só restava eu no jornal, entrou o Arlindo, aflito. Tinham-lhe rebocado o carro e tinha lá dentro o cartão multibanco, não podia levantar dinheiro para apanhar um táxi. Ofereci-lhe imediatamente boleia e naquele dia, pela primeira e última vez, não falámos de futebol. Na manhã seguinte ia fazer exames importantes para saber o que se estava a passar. As notícias não foram as melhores e o início dos tratamentos não tardou. Nem pudemos despedir-nos dele. Mas nunca o esquecemos, mesmo que não nos tenhamos lembrado tantas vezes como devíamos. É quase sempre assim. No fundo, continuávamos à espera dele numa segunda-feira.
Um dia, amigo Arlindo, vamos meter a conversa em dia, sempre sem chegar a conclusões. Essas, já bastam as da morte, tão precipitadas, como foi o teu caso, aos 59 anos. Esta coluna, hoje, é para ti. Com um abraço da malta toda.