Arbitragem descredibilizada

OPINIÃO21.02.202305:30

Não há melhor forma de matar a classe do que com silêncio e sem ação quando a casa está a arder

A arbitragem portuguesa está, aos olhos dos outros, descredibilizada. Este é um facto que só pode desmentir quem viver totalmente alheado da realidade. Quem não conseguir distanciar-se desta triste verdade.

Enquanto ex-árbitro, conheço bem o sentimento que isso desperta. É frustrante sentir que, independentemente do que se trabalhe, treine ou prepare, a perceção pública será sempre implacável, fazendo o seu escrutínio em função do penálti mal assinalado ou do vermelho mal mostrado. Tudo o resto, a tal montanha invisível que sustenta o icebergue debaixo de água, é irrelevante aos olhos de quem sente e vive o jogo de forma tão emotiva e parcial como o adepto o faz.

Este julgamento popular não é novidade. Foi sempre assim. Mas aqui e ali é injusto, porque não reconhece o compromisso e entrega de gente capaz, que tenta diariamente fazer o melhor que pode e sabe.

Mas a sensação de injustiça que isso pode criar nalguns não pode desculpar outros. É importante que não se perca a exigência interna e o sentido crítico, porque isso é fundamental para a melhoria. No fundo, é obrigatório olhar para o umbigo antes de apontar o dedo aos outros. E a verdade é que a nossa arbitragem tem-se colocado (muito) a jeito para que a sua imagem pública esteja assim, tão beliscada e deteriorada. Tão desgastada.

A introdução da videotecnologia não só aumentou a exigência e intolerância ao erro, como expôs aqueles que, de facto, não têm capacidade para desempenhar funções ao mais alto nível. Esta é uma realidade sobre a qual vale a pena refletir.

Há situações de jogo tão claras, tão óbvias e manifestas, que com VAR só podem ter uma solução. É impossível que tenham outra. Quando têm, fica exposta a sua inaceitável incompetência. 

Quem vos diz isto é o (ex) árbitro que, lá dentro, colecionou erros mediáticos, que vão do infame penálti do Jardel, à cabeça que foi mão (na Amadora) e aos enganos incríveis noutros dérbis, clássicos e afins. Em matéria de asneiras em campo, estou à vontade. Mas se em todos esses jogos existisse videoárbitro e ele não me tivesse safado de tanto desastre seria o primeiro a ficar revoltado e indignado. Seria o primeiro a exigir responsabilidades.

Hoje não é possível não se salvarem erros como alguns que cometi em tempos. Não é possível que um árbitro qualificado esteja sentado numa sala repleta de imagens (paradas, ampliadas, desaceleradas, selecionadas) e não corrija uma falha dantesca do seu colega de campo. Não é.

Quando isso acontece, são necessárias consequências. Aliás, não são necessárias, são obrigatórias. Se não acontecerem, mostram conivência tácita e cumplicidade. Mostram aceitação. E não há melhor forma de matar a classe do que assim: com silêncio e sem ação quando a casa está a arder.

Os erros dos árbitros não são intencionais, direcionados ou premeditados. Afirmo-o à boca cheia as vezes que forem necessárias. Mas quando grosseiros, óbvios e evidentes são fruto de incompetência técnica, falta de concentração (ou coragem), falta de sensibilidade para a função ou apenas pura negligência. Infantilidade. Em alta competição, nenhuma é aceitável e todas têm que ter consequências.
 
É bom que a arbitragem perceba que, com VAR, tudo mudou. A classe tem que mudar também, se não de estratégia, pelo menos de elementos. Quem não tem qualidade, não pode estar a arbitrar ou videoarbitrar o que quer que seja.