Aquilo que o dinheiro não substitui
Benfica: Eusébio; Sporting: escola; FC Porto: povo. Faça esse raciocínio sobre o que é, afinal, a cultura de um clube
O que define a cultura de um clube? Tente fazer esta pergunta a 10 pessoas e provavelmente boa parte dirá que são os adeptos. Por muito que os investidores tenham invadido as grandes ligas europeias, são aqueles que, semana a semana, se deslocam ao estádio, à casa do adversário ou à porta do centro de treinos para aplaudir ou criticar, como se fosse ainda esta a força motriz destas organizações e não o dinheiro que entra a rodos nos cofres com proveniência de destinos distantes.
Mas há casos em que a resposta aponta noutro sentido. Já dei por mim, mais que uma vez, a fazer este exercício e convido-o a fazer o mesmo: diga a primeira palavra que lhe vem à cabeça quando lhe perguntam sobre determinado clube. Comigo foi assim - Real Madrid: poder; Barcelona: estética; Manchester United: Old Trafford; Bayern: potência; Benfica: Eusébio; Sporting: escola; FC Porto: povo. Esta é uma visão subjetiva e singular, mas respostas como esta, multiplicadas por milhares, ajudam a formar e formatar aquilo que se chama de cultura de clube e é em cima desta narrativa que se constrói uma identidade comum que une pessoas de vários credos, estratos e idades.
E STA reflexão vem a propósito de uma declaração muito interessante proferida pelo treinador do Nápoles, Luciano Spalletti, na véspera de receber a Juventus, num clássico do futebol italiano. Disse Spalletti que o seu homólogo, Massimiliano Allegri, se tinha «casado com o modo juventino», em que «vencer é a única coisa que conta», algo que é inaceitável no clube que treina. «No Nápoles jogou Maradona. Os adeptos viram-no jogar e quando venceram com Maradona perceberam o quão belo pode ser o futebol. É por isso que nós não podemos prescindir dessa beleza, não podemos ter uma proposta de jogo que não vá ao encontro dessa beleza. Temos sempre de tentar», afirmou, recordando que apesar de ter ganho dois títulos (Taça de Itália e Supertaça de Itália), o espanhol Rafael Benítez é lembrado com muito menos saudade que Maurizio Sarri, que nada ganhou mas fez os adeptos desfrutar de um futebol que tentou manter viva a tradição.
O resultado do Nápoles-Juventus foi o que todos sabemos: a equipa da casa goleou o rival do norte de Itália por 5-1 com um futebol alegre, vivo e dinâmico, reforçando o sonho de um título que só foi possível enquanto Diego Armando Maradona andou por lá, entre as décadas de 80 e 90 do século passado. Mas mesmo que a equipa deslize e perca a corrida, há algo que nunca desaparecerá do discurso dos napolitanos: eles podem ganhar muito menos (que a Juventus, por exemplo), mas continuarão a dizer até ao fim das suas vidas que tiveram Maradona. À medida que o tempo passa e as memórias ficam difusas, a magia em campo de El Pibe tornar-se-á cada vez mais algo ligado ao divino, o adubo perfeito para a criação de mitos que valem mais que a so- ma de taças e campeonatos. Aí está uma cultura de clube feita a escopro e martelo, impossível de copiar.
R OBERTO MARTÍNEZ iniciou as observações in loco dos jogos do campeonato nacional, como é seu dever. Ainda é cedo para dizer que mudanças fará na sua primeira convocatória, mas o sucessor de Fernando Santos não pode ficar alheio a dois jovens que já merecem uma oportunidade: Florentino e Vitinha. O médio do Benfica, não apenas pela brilhante época que está a fazer mas porque tem uma capacidade de pressão e raio de cobertura para uma equipa que queira jogar com linhas subidas e mandar no jogo; quanto ao jovem avançado do SC Braga, por se tratar do que é óbvio: é um atacante que tem uma enorme relação com o golo e um requinte que vai aprimorando à medida que soma tempo de jogo. Pode dar-se mesmo, a curiosidade de, na próxima pausa para as seleções, os minhotos verem os seus dois pontas de lança chamados para duas das melhores equipas do mundo (em Espanha fala-se com insistência na convocatória do guerreiro Abel Ruiz). Eis uma boa forma de dizer que o segundo lugar do SC Braga na Liga não é por acaso.