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OPINIÃO07.07.202004:00

No meio de um calor tórrido aqui pelo Alto Alentejo e na pasmaceira de uma competição-COVID em curso e em que quase tudo está mais ou menos resolvido, esta minha crónica é feita de fragmentos de quem, ainda que mais esparsamente, vai lendo notícias sobre a actualidade desportiva.

1 - No sábado passado, vi alguns momentos da final da Taça da Alemanha entre o Bayern e o Bayer Leverkusen jogada sem público e, para não variar, ganha pelos bávaros. Uma, antes festa, que, desta vez, mais parecia um funeral. É claro que não podia ser de outro modo, mas cada vez mais entendo que o tele-futebol jamais conseguirá substituir a ausência de espectadores. Porque o jogo só o é verdadeiramente com público. Infelizmente, ninguém sabe quanto tempo falta para os estádios voltarem a encher e se presenciar a vibração de sons, cores e estados de espírito. Creio, porém, que se a situação se prolongar muito, as consequências para este desporto (e para todos os outros, ainda que de pavilhão) vão ser verdadeiramente fracturantes.

2 - No nosso campeonato-COVID, e como benfiquista, é penoso e mesmo doloroso ver o Estádio da Luz vazio e, digam lá o que disserem, uma das razões por que o Benfica, nesta fase, perdeu ou empatou em casa também tem que ver com esta situação. Suponho que os próprios jogadores precisam de estar envolvidos na união com os seus apoiantes, tal e qual acontece com a representação de uma peça teatral que precisa de ter o calor do público, por melhores que sejam os actores. Já a fantasia de sons artificiais nas transmissões televisivas é um total disparate, uma maneira tonta de driblar a verdade com que nos confrontamos, como se o silêncio tivesse de ser disfarçado para quem está em casa a ver o jogo. Que diabo, para postiço já bastam as condições em que este campeonato está a decorrer! Mesmo na BTV, pergunto-me para quê a contradição de um ruído de bancadas vazias, que me leva a cortar o som tal é o artifício do contexto. Com pena minha, pois que aprecio a qualidade e rigor de Hélder Conduto na condução das transmissões, bem acima de outros que trabalham em canais supostamente independentes dos clubes.

3 - Soubemos que a final da Taça de Portugal não vai ser realizada no Jamor, migrando para Coimbra. Não sei se o local foi escolhido com régua e esquadro para encontrar o melhor local para tentar igualizar a distância entre Lisboa e Porto. Não sei se houve interferências para que a final saísse do Estádio Nacional. Não sei mesmo se este preenche as condições sanitárias mínimas para que lá haja jogos, mesmo com bancadas vazias. Neste ponto, custa-me perceber como todos os campos da primeira Divisão foram licenciados para o campeonato-COVID, e o estádio, que até é o nacional, possa não ter os requisitos para uma única partida. Se isso for verdade, decrete-se a sua eliminação por inutilidade completa. Em suma, Oeiras - é assim que depreciativamente, no Porto, chamam ao Jamor - foi descartado para esta final, que já de si vai ser um velório sem assistentes. Custa-me perceber como é que a questão da final da Taça sai novamente deste Estádio e não compreendo a atitude acomodatícia ou passiva do SLB.

4 - O Benfica voltou, de novo, às vitórias caseiras. Curiosamente num encontro em que houve dois Veríssimos: o treinador e o árbitro. Foi bom, para quebrar a série de maus resultados, e até para esfriar títulos e subtítulos de jornais e declamações audiovisuais sobre a apelidada perigosa aproximação do Sporting na luta pelo 2.º lugar. A equipa jogou mais desinibida, para isso contribuindo o momento do primeiro golo. Fez bem Nélson Veríssimo em dizer que a vitória deve também ser atribuída ao ex-treinador do SLB, Bruno Lage. Neste encontro, revelaram-se, mais uma vez, os dois principais problemas da equipa nesta fase: a) um grau de eficácia atacante relativamente modesto; b) um grau de eficácia elevadíssimo por parte das equipas adversárias, ou, de outro modo, uma elevada permeabilidade da defesa encarnada. Vejamos: no sábado houve 9 claras oportunidades para marcar golos ao Boavista, já contra o Marítimo na primeira parte foi uma meia-dúzia, e contra o Tondela idem aspas, embora se reconheçam as grandes exibições com que quase sempre os guarda-redes contrários capricham quando defrontam o Benfica. Já os adversários, nos últimos três jogos, facturaram sempre nas poucas vezes em que desceram até à baliza de Vlachodimos. O Santa Clara, quatro vezes, o Marítimo outras quatro (duas apenas não contaram por escasso fora-de-jogo) e o Boavista na única vez que o fez também marcou, ainda que, desta feita, Jardel em vez de Ferro tenha dado mais consistência à defesa. A maioria destes golos sofridos foram-no, inexplicavelmente, em bolas ditas paradas. Um verdadeiro mistério, como o é também o Benfica ser provavelmente a única equipa que ainda não converteu qualquer livre directo.

5 - Para além de aspectos de natureza mais estrutural, este torneio-COVID tem sido, para o Benfica, um exemplo paradigmático da aplicação da chamada Lei de Murphy, sintetizada na asserção «se alguma coisa puder correr mal, então vai mesmo correr mal».  Há uma outra lei formulada por Arthur Clarke, embora não tão famosa quanto a de Murphy, que, no fundo, achava que «Murphy era optimista.  Apenas registo aqui uma das proposições da primeira das leis: quando nos ligam, uma de três coisas acontece: se temos caneta, não temos papel; se temos papel, não temos caneta; e se dissermos que temos caneta e papel ninguém nos liga. Ora, em minha opinião, este é um dos problemas principais do Benfica actual, ou seja se quer ter boas canetas (entenda-se bons jogadores) não tem tanto papel (leia-se papel-moeda); se tem papel-moeda no balanço, não tem jogadores desequilibradores; mas, se se pensa que há, simultaneamente, bons jogadores a explodir em profusão e situação financeira magnífica, a gente desconfia.  

6 - É um fartote ouvir pessoas em canais televisivos a falar de contas e balanços das SAD. Com a notável presunção da santa ignorância, não têm a sensatez de se calarem perante coisas que nem conhecem, nem dominam. Ao invés, botam discurso clubisticamente direccionado, quase falando de cátedra, com total confusão de conceitos, fora os lugares-comuns. Vem isto a propósito da emissão de 35 milhões de euros de obrigações da Benfica SAD. E logo surge em tais cabeças iluminadas a conclusão de que afinal a situação encarnada é mais ou menos semelhante à portista e sportinguista, decretando mesmo que a ocorrência de eventos financeiros e reputacionais nestes dois clubes por incumprimentos traduzidos em não pagamento aos credores na data de amortização dos títulos (que jamais aconteceu no Benfica) é um simples pormenor. Ora, o que aconteceu, este ano, é que a Benfica SAD honrou totalmente os seus compromissos (pagando 75 milhões aos seus credores obrigacionistas) e emitiu agora apenas 35 milhões. Apesar dos efeitos nefastos da pandemia, consegue, assim, reduzir o passivo obrigacionista em 40 milhões. Por outro lado, houve operações de verdadeira reestruturação do passivo que têm como objectivo reduzir o custo do financiamento, tendo criado as condições para arbitrar entre custo bancário, custo obrigacionista e custo de financiamento de antecipação de receitas. Por outras palavras, uma coisa é antecipar receitas futuras para abastecer a aflição de tesouraria e de pagamentos imediatos e de curto-prazo, outra é descontar essas receitas para diminuir o custo médio do passivo financeiro.

7 - Está consumada a total saída do Clube de Futebol ‘Os Belenenses’ da SAD que, abusivamente, continua a usar o nome do clube centenário de Lisboa. Faço votos para que o clube que voltou ao futebol sénior no mais baixo escalão distrital regresse depressa ao primeiro plano. Quanto à dita SAD é como um ovo, sem gema e clara, só com a fina casca. Não tem sócios, nem accionistas-adeptos, não tem onde jogar, mendigando um campo, não tem receitas de bilheteira que se vejam, não tinha até antes da pandemia espectadores em número sequer razoável, não tem outras receitas correntes para além dos direitos televisivos. É uma ficção, vivendo apenas do nome usurpado.

8 - O novo treinador do Benfica tem sido um maná para os media. Palpites, especulações, divagações por todo o lado. Falarei desta romaria em próxima crónica. Por agora, apenas duas notas: a primeira para assinalar com tristeza o modo como Bruno Lage foi pessoalmente depreciado; a segunda, para constatar o modo desestruturado e amadorístico como se despede um técnico sem se ter a solução seguinte bem encaminhada. Desta vez até a luz presidencial parece não ter ajudado...