Apitar à inglesa
A confidência sincera de Luís Godinho demonstra que os árbitros defendem-se mais do que defendem um bem maior: o futebol
D ISSE o árbitro Luís Godinho, durante o Football Talks promovido esta semana pela Federação Portuguesa de Futebol, que gostaria de «apitar à inglesa» mais vezes mas que a cultura de jogadores, banco de suplentes, dirigentes e adeptos o demove muitas vezes desse exercício de fluidez. Não se tratando da primeira vez que um juiz português faz uma confidência destas, importa, antes de mais, refletir sobre o quão importante é, para o público em geral, ouvir o ponto de vista de quem é exposto à decisão. Até que ponto não deveriam os vários conselhos de arbitragem fazer pressão junto das respetivas federações para que por sua vez levassem o tema à FIFA e ao International Board para fomentar a criação de canais de comunicação para os árbitros, deixando a regulamentação para cada federação ou confederação? O conservadorismo que impõe o silêncio aos árbitros é o mesmo que impediu, anos a fio, a introdução de tecnologia; tardam os seus mais ilustres responsáveis em perceber que o mundo mudou, e que a importância da palavra é hoje muito maior do que há 20, 10 ou 5 anos, porque se noutros tempos um erro era comentado por centenas e depois perdia-se na espuma, hoje é-o por milhões num efeito multiplicador que cria polarização e discurso de ódio. E até que me provem o contrário, só conheço um remédio para os discursos radicais: pedagogia, informação e transparência. Quanto não valeria uma conferência de imprensa periódica de um grupo de árbitros para explicar ações e, até, assumir erros? Quanto isto não ajudaria a humanizar o desporto?
S OBRE o conteúdo das palavras do juiz de Évora há outra conclusão a retirar: a classe é incapaz de se impor perante a trapaça ou a gritaria. Face ao poder dos outros, encolhe-se fecha-se no casulo. Por força do contexto em que estão envolvidos, os juízes sempre tiveram uma tendência para a defesa própria do que para a defesa de um bem maior que é o futebol. Talvez seja por isso que admiro a atitude de Manuel Mota, o único árbitro que desde há uns anos tenta arbitrar «à inglesa», muito antes do Conselho de Arbitragem ter dado claras instruções para os juízes acabarem com as pequenas faltas - é preciso dizê-lo que isso já se nota nesta época, veremos até quando. Mas já não faz muito sentido ouvir desculpas como esta. Era o mesmo que ouvir um juiz não fazer cumprir uma lei em julgamento porque o arguido tinha muita gente a apoiá-lo na galeria e ao bater com o martelo iria criar problemas para si próprio. Ao contrário do passado, os árbitros em Portugal têm hoje condições do ponto de vista físico, técnico e logístico que deviam ser acompanhadas por melhores decisões. Se não decidem bem, ou é por receio ou por incompetência. Nenhuma das duas perspetivas é animadora.
B OA parte da cultura que não deixa Luís Godinho e muitos outros «apitar à inglesa» encontra-se nas palavras de Sérgio Conceição no final do jogo do FC Porto frente ao Atlético Madrid. Um jogo que teve um resultado injusto (os dragões foram melhores e tiveram mais ocasiões de golo), mas que se deve única e exclusivamente a isto: os colchoneros foram mais eficazes que os portistas. Justificar, mesmo que em parte, a derrota com a arbitragem é insistir numa vitimização gasta e desfasada e que até foi objeto de algum escárnio na comunicação social espanhola, que obviamente pegou nessas palavras e comparou-as com a simulação ridícula de Taremi, que mais uma vez preferiu o engodo à arte. Mas se abusa, é porque sabe que provavelmente compensa.