Apanhados!...
Apanhada é o feminino do particípio passado do verbo apanhar, mas, na minha infância, apanhada era a brincadeira mais corrente e mais barata que consistia, simplesmente, em uma pessoa correr atrás de outras para as apanhar. E a brincadeira terminava aqui, ou seja, uma vez apanhado nada acontecia a este que continuava a jogar, quer fugindo dos outros quer correndo de novo atrás de outros. Isto era assim quando eu era criança, tal como era notícia dos jornais um homem ou um grupo de homens assaltar um banco, e serem apanhados ... e condenados!
Actualmente, assaltar um banco não é noticia, tal como começa a ser normal as pessoas serem assaltadas pelos bancos. Tudo mudou, excepto a justiça que, em muitos casos, continua a ser a algo parecido com a apanhada de infância: há apanhados e apanhadas, mas não lhes acontece nada!... Uma grande diferença, no entanto, existe: a apanhada era (e é) um jogo de crianças; a impunidade de certas pessoas é um sentimento que cresce na nossa sociedade e que é um caminho seguro para a decadência da vida social e dos costumes. Hoje é claramente diferente a justiça dos apanhados ricos e dos apanhados pobres.
Apanhado, porém, também pode ser usado como adjectivo, querendo significar, a respeito de uma pessoa, que é tacanho, mesquinho, estreito, que é poucochinho, e a nossa sociedade, nos mais variados sectores, está cheia deles - pessoas, perdoem-me o termo, que não têm princípios, nem valores, antes se inspiram em sentimentos vis e com uma visão e compreensão muito limitada.
Também se qualifica como apanhado aquele que não é bom da cabeça e age de forma insensata e que vulgarmente denominamos de pirado!
Pior é quando alguém é apanhado pelo vício do álcool, da droga ou do jogo, porque aí o significado é de que está agarrado ou é completamente dependente daquelas substâncias ou práticas. Normalmente não acabam bem!...
Menos mau, embora às vezes também não acabe bem, é quando se diz de alguém que está apanhado por um sentimento de grande paixão: fulano está completamente apanhado pela namorada, isto é, está apaixonado; sicrano é completamente apanhado pelo futebol!
Apanhados do futebol ou pelo futebol, porém, já restam poucos, porque já não é o tempo dos dirigentes apanhados pelo futebol, mas o tempo em que os dirigentes apanharam, e apanham, o futebol para aquilo para que o futebol não foi criado!
Antigamente, os dirigentes e outros sacrificavam a família, o trabalho, os negócios, o dinheiro, etc, porque estavam apanhados pelo futebol; nos tempos que correm, apanhados são os do apito dourado, os dos emails, os das toupeiras, os dos negócios pouco transparentes, das comissões, dos jogos viciados, ainda que seja tudo como a apanhada de que falei no início: uma brincadeira de inocentes!...
Feito este apanhado (no sentido de resumo) dos apanhados, é tempo daqueles apanhados que justificam o título de hoje e que me serviram de inspiração: aquelas séries televisivas, com os mais diversos nomes, mas vulgarmente designadas por apanhados.
Como todos sabem, consistem em filmagens através de câmaras escondidas, onde os participantes são surpreendidos com situações cómicas, constrangedoras, provocatórias e insólitas, e que conduzem, a quem assiste, a um riso de, muitas vezes, nos levar às lágrimas.
Nesta sociedade, amplamente mediatizada pelos mais diversos modos, designadamente, no que à política e ao futebol diz respeito, assistimos cada vez mais a cenas de autênticos apanhados! Direi mesmo - já não sei se a sério ou a brincar - que me sinto a viver num país de apanhados! Com dois pormenores que me preocupam: é que as cenas não são preparadas, mas naturais, e às gargalhadas seguem-se lágrimas de depressão!...
Cenas de apanhados no nosso futebol não têm já conta, e seria necessária uma edição especial do jornal só para as enumerar. Algumas que, embora não preparadas, são, obviamente, premeditadas. Não é aliás minha pretensão ser exaustivo nos exemplos e por isso vou recordar algumas das mais recentes, sendo certo que esta semana foi fértil.
Desde logo, os apanhados do Benfica-Rio Ave. Não me refiro, como é obvio, a Rui Costa, pois ninguém acredita - incluindo eu - ter sido apanhado a pressionar Soares Dias. Aliás, este não precisa da pressão de ninguém para ser apanhado: bastou não marcar aquela falta de Rúben Dias, não lhe dar o segundo amarelo e este poder jogar o dérbi! A câmara não estava escondida, mas digam lá se o Soares Dias não pensou que era para os apanhados?
Para os apanhados também foram os amarelos de Luiz Phellype e Coates, designadamente o deste, que foi apanhado para não jogar ontem! O árbitro também parece dos apanhados! Por outro lado, estamos em tempo de ser apanhados pela gripe. E aqueles que ainda não foram apanhados pela gripe, sentiram-se apanhados pela situação do Vitória de Setúbal, ou melhor, foram apanhados de surpresa por uma situação ainda não totalmente esclarecida. Os comentários, as afirmações, as interpretações e tudo o mais que se falou e escreveu são autênticos episódios de apanhados, pois alguns dos seus autores são mesmo apanhados, no sentido de tacanhos e mesquinhos.
Os regulamentos também foram apanhados em falso, no sentido de que não previram esta situação, deixando-a ao critério de cada um dos clubes, já que, em abstracto, são incapazes de se regulamentar! Ou talvez não, porque se quisessem regular a situação exaustivamente, dir-se-ia que estavam apanhados, no sentido de pirados. Dir-se-ia que o bom senso ajudaria a resolver o problema, mas é difícil falar em bom senso num sector apanhado!
O Sporting só foi apanhado porque comunica mal. Bastaria ter dito que não concordava com qualquer adiamento, escudado na autoridade moral de não ter visto adiada a final da Taça de Portugal que se seguiu a cena de Alcochete, que essa sim foi feita por apanhados, mas de outro calibre! Não precisava de explicar sequer, porque exerce o seu direito de dizer não, que é, no caso, a melhor defesa da verdade desportiva, que não foi defendida na aludida final. Como se vê, alguns hipócritas defensores da verdade desportiva são facilmente apanhados!...
Finalmente, parece que o Presidente do Sporting foi apanhado a dizer a um director do Vitória de Setúbal que o ameaçava e insultava: «Se me tocas, arranco-te a cabeça!» Alguns têm condenado veementemente esta reacção de Varandas, mas eu, que não sou propriamente seu fã, não o critico pela reação, mas pela importância que dá à cabeça do dito. Com efeito, interrogo-me, para que serve a cabeça do dito que não seja para pôr o chapéu?
De resto, neste futebol de apanhados apenas uma cabeça precisa de ser arrancada: a do polvo que o comanda, pois continua a ser apanhado, mas, como na brincadeira, continua sempre a fugir!...