Antes e depois de Salvador
Quando António Salvador afirmou que gostaria de ver o SC Braga campeão até ao ano do centenário do clube, em 2021, não sei se o fez por acreditar mesmo que esse objetivo desportivo é concretizável, ou se se tratou, apenas, da expressão pública de um desejo legítimo que vai desaguar no mesmo rio.
Significativa, porém, foi a transformação que esse anúncio provocou na vida do emblema minhoto, puxando-o para cima e fazendo dele um caso de referência que agitou o normal e pacato alinhamento de forças em que o sucesso está limitado a três, cabendo à multidão restante a resignação de carregar a cruz da indiferença.
Foi contra este estado de submissão aos três grandes do futebol português que Salvador se insurgiu e a verdade é que o seu grito de revolta bastou para, de um modo inequívoco, tirar o Braga do anonimato. A estrutura do novo edifício bracarense continua a crescer com organização, estabilidade e disciplina, a que se associa relevante trabalho na área da imagem e da divulgação da marca, primeiro incluindo somente o clube e depois, gradualmente, aglutinando a cidade e a região.
A semente está lançada e vai dar frutos. Será uma questão de tempo, jamais deixando de acreditar-se no êxito da empreitada. Assim como o Boavista conseguiu o título, na viragem de século, o Leicester foi um campeão inimaginável há três anos na pátria do futebol e em Espanha, desde o ano 2000, o Deportivo da Corunha e o Valência, por duas vezes, foram capazes de entrar no condomínio exclusivo de Real Madrid, Barcelona e Atlético, um dia destes é provável que o SC Braga tenha a sua oportunidade, que, deve recordar-se, esteve à distância de poder ser agarrada com as duas mãos em 2010.
Hoje, disputa-se a primeira mão da segunda meia-final da Taça de Portugal e a discussão muda de tom, dado tratar-se de uma competição nobre em que António Salvador quer marcar o seu território, como demonstram as presenças no Jamor em 2015 e 2016: com Paulo Fonseca ao leme, venceu a segunda final, frente ao FC Porto, mas perdeu a primeira, diante do Sporting, por acaso quando era treinador Sérgio Conceição.
É hora, pois, de Abel Ferreira se chegar à frente e apresentar uma equipa que não fraqueje quando não deve, como se verificou, recentemente, na Luz e em Alvalade.
Todos estão condenados a perder, mas ficar paralisado nos palcos mais importantes costuma acontecer aos menos preparados ou àqueles que só se sentem confortáveis em ambientes pequenos. O que não é caso. No entanto, fica a ideia de que, por vezes, o treinador bracarense bloqueia numa espécie de encruzilhada, ora valorizando o trabalho que diariamente é feito, ora colocando o pé no travão de maneira a moderar entusiasmos e desaconselhar exigências que ciclos de boas exibições da equipa naturalmente suscitam.
Não quero ser injusto, mas julgo que Abel ainda não se deu conta que na história do SC Braga há duas épocas claramente identificadas: antes e depois de Salvador. É indiscutível. Contudo, em frequentes ocasiões, o seu discurso parece desajustado da realidade. Não saltou de 2003 para a frente, o ano em que se deu a fantástica transformação qualitativa. Porque foi mesmo fantástica e é esse clube, finalista da Liga Europa, que frequentou a Liga dos Campeões e que definiu o quarto lugar no Campeonato como posição de referência, depois de ter sido vice (2010), de ter sido terceiro em 2012 e quarto por treze vezes, oito das quais com Salvador, que Abel Ferreira tem a responsabilidade de treinar.
Quando esta noite se apresentar no Dragão, em obediência ao desempenho recente do seu clube na Taça de Portugal, deve reclamar, no mínimo, metade do favoritismo na eliminatória e, no fundo, sentir-se na obrigação de voltar a conquistar o troféu.
Acerca de treinadores, desde que Salvador chegou à presidência do SC Braga, Jorge Jesus ganhou a Taça Intertoto (2009), Domingos Paciência foi vice-campeão nacional (2010) e finalista da Liga Europa (2011), José Peseiro conquistou a Taça da Liga (2013) e Paulo Fonseca a Taça de Portugal (2016). Com Abel Ferreira tem sido mais conversa, até agora. É o desafio que se lhe coloca, daqui em diante…