Alucinações de um Mundial e o Mundial de um alucinado
1 - Óh mister Fernando Santos, eu gosto muito de si, mas começam a faltar explicações racionais para que a melhor Selecção portuguesa dos últimos anos a nível de valores individuais jogue tão pouco como aquilo que se tem visto na Rússia! Eu achei que finalmente esta equipa não iria ser Ronaldo-dependente, que quem tinha jogadores da categoria de um Bernardo Silva, de um Gelson Martins, de um Bruno Fernandes, de um João Moutinho outra vez em grande forma, além de um Pepe eternamente jovem, não nos obrigaria a sofrimentos constantes e resultados arrancados a ferros, empates com sabor a vitórias e vitórias que mais parecem derrotas. Mas, não: Ronaldo e Patrício resolveram os dois primeiros jogos, Pepe e o velho ciganito (que algum iluminado do FC Porto se lembrou de dispensar há anos, em saldos), salvou-nos de um regresso a casa antecipado com a sua trivela mágica. Rasgos individuais, no lugar de uma nulidade colectiva. Como é que se pode entrar em jogo com um meio campo composto por um William que não vale nada ao pé de um Rúben Neves, que Fernando Santos deixou em terra, um Adrien que é uma sombra de Bernardo ou de Bruno Fernandes, e, sobretudo, um João Mário, que só sabe jogar para trás e para o lado e que só o mister saberá porque tem lugar entre os 23? Bom, lá passámos a fase de grupos, mas, a haver justiça, no nosso lugar estaria Marrocos - a melhor equipa deste grupo.
2 - Como aqui antecipei, a Rússia está a surpreender pela positiva todos os que têm visto o Mundial, quer à distância televisiva, quer localmente. Uma organização até aqui impecável, estádios cheios, segurança sem falhas, povo simpático e acolhedor. E, para quem lá está e tem olhos de ver, um país moderno, cuidado e sofisticado, mas também monumental e respeitador de um património histórico absolutamente deslumbrante. Enfim, um país, feito de inúmeras nações, nos antípodas de uma certa imagem criada no Ocidente por décadas de propaganda imbecil, confundindo desejos políticos com realidades sócio-económicas e culturais. Vamos ter muitas saudades deste Mundial, quando comparado com a infernal negociata do Mundial de 2022 no Qatar ou da trapalhada em todo o continente norte-americano de 2026, com as suas 64 Selecções…
3 - As imensas dificuldades que Selecções tidas como favoritas - e, de facto, favoritas - como a Alemanha, Espanha, Brasil têm enfrentado para levarem de vencida outras claramente mais fracas à partida levam a concluir três coisas: que os tempos da bola quadrada para alguns já lá vai, graças ao constante intercâmbio de jogadores e treinadores oriundos dos países futebolisticamente mais evoluídos pelos outros -como é o caso de Carlos Queiroz no Irão; que a sobrecarga de jogos com que os melhores jogadores ao serviço das melhores Selecções chegam aos Mundiais, lhes faz, a eles e a elas, pagar uma incontornável factura. Se hoje já é assim, com um Mundial disputado por 64 equipas, vai ser inevitável que o vencedor seja a equipe menos cansada de entre as melhores - o que, por sua vez, conduzirá a um óbvio conflito de interesses entre os grandes clubes e as grandes Selecções; e, enfim, a última conclusão a tirar é uma máxima já bem conhecida: que é bem mais fácil montar uma equipa para apenas defender do que para também ser capaz de ultrapassar a linha do meio-campo. O futebol defensivo está cada vez mais instalado e sofisticado e os treinadores defensivos cada vez mais disputados, o que, mais tarde ou mais cedo, a bem do jogo, terá de levar o International Board a meditar nas leis do jogo, sob pena de apenas acabarmos a ver golos de livres ou de penalties.
4 - Outra meditação que dá que pensar neste Mundial é sobre o uso do VAR, sobretudo comparando-o com o uso que, ao longo da época agora terminada, foi feito em Portugal, um dos países pioneiros do sistema. E a conclusão que se impõe é que o seu uso no Mundial tem sido claramente mais comedido e parcimonioso que em Portugal - com a notável excepção do Portugal-Irão, onde a insuportável pressão dos iranianos acabou por lhes valer um penalty à Benfica, a falsear o resultado. Muito menos intervenções, muito menos correcções das decisões de campo. Parece-me que a filosofia de intervenção tem sido, por um lado, evitar decisões que não sejam absolutamente consensuais, depois de vistas as imagens por todos: ou seja: que a intervenção do VAR seja claramente objectiva e não remeta para um juízo subjectivo, afinal igual ao que determina o critério dos árbitros de campo. Segundo, que se dê importância àquilo que o árbitro de campo - e, com ele, os intervenientes e os próprios espectadores no estádio -vêm no decorrer da jogada. Ou seja, não ir buscar às imagens qualquer coisa que, apesar de correcta, contraria por completo a percepção clara que toda a gente teve durante o decurso da jogada. Se assim é, e parece-me sê-lo, eu estou de acordo com esta filosofia de intervenção, que me parece mais genuíno, mais natural, mais próxima da emoção do jogo. Um VAR absolutamente científico, por muito que isto custe a engolir aos puristas, parece-me roubar qualquer coisa de essencial o jogo: o erro humano, não evidente nem maldoso.
5 - O pior da Argentina nem é ter um treinador que, aos olhos de qualquer leigo, é um perfeito incompetente. Alguém que monta uma equipa que não consegue fazer chegar uma bola a Messi (e depois queixa-se que Messi não marca golos). Que monta uma equipa de três centrais, comandada ao centro por um Otamendi sem quaisquer condições para tal e estruturada para sair em passes longos da defesa, a partir de Otamendi ou do guarda-redes, nenhum dos quais apto para a função. Que mostra à exuberância que não tem a mais pequena ideia de jogo do meio-campo para a frente, apesar do luxo da matéria-prima de que dispõe. Não, o pior desta Selecção argentina é o aspecto do próprio treinador. Como é que um país tão civilizado, com uma capital que é uma das cidades mais fantásticas do mundo, com uma vida cultural de fazer inveja a tantas cidades da Europa, senta no banco, como treinador, a representar o país, alguém que parece, nem sequer um porteiro de cabaré de meninas, mas um chulo de cabaret? Com a sua roupa negra, as suas tatuagens, a sua cara de malandro do bairro de Palermo, Sampaoli envergonha a Argentina, dentro e for a de campo, e eu pergunto-me como é que jogadores como Lionel Messi o poderão levar a sério? Donde saíu este avatar?
6 - Alguém para quem o Mundial é como se não existisse é, claro, Bruno de Carvalho. Se alguém imaginou que o Mundial ou a Selecção ou o desviariam por algum instante de se ocupar apenas consigo mesmo, imaginou mal. O Mundial, a Assembleia Geral que o destituiu, as promessas que fez para logo esquecer, as juras imediatamente desmentidas, o mundo inteiro. Nada disso lhe interessa, apenas a sua pessoa. Bruno de Carvalho já deixou há muito de ser um caso do futebol para se tornar um caso extremo da miséria humana. Não há adjectivos que possam classificar o seu egocentrismo, a sua falta de vergonha absoluta, o seu delírio de grandeza imaginada, o seu desespero indecoroso a agarrar-se ao tacho, que sabe ser o seu ultimo refúgio em vida. É, como se dizia quando eu era criança, um pinto-calçudo que se imaginou Napoleão. Só sairá de Alvalade ou arrastado pela polícia no cumprimento de uma ordem do tribunal ou escondido na bagageira de um carro da fúria dos sócios, depois de ultrapassada a guarda pretoriana dos seus heróis de Alcochete. Mas preparem-se os sportinguistas, porque, quando finalmente retomarem a posse do clube que é seu, irão encontrar tudo minado por ele: contratos de trabalho e indemnizações a seu favor, da mulher e da família; pagamentos a terceiros sem explicação, e o mais que a imaginação nem supõe. Os queixos vão cair a muita gente que, contra todas as evidências gritantes, o defenderam.