Ajax: difícil não gostar deles
PARA quem começou a seguir o futebol no início da década de 70 (apogeu do futebol-força com vincada superioridade das equipas holandesas, alemãs, inglesas e até belgas), o Ajax de Cruyff, tricampeão europeu, e a fabulosa laranja mecânica de Rinus Michels, que perdeu a final do Mundial de 1974 para a RFA de Muller, Beckenbauer e Breitner, são uma espécie de santo e senha. Quem viu aquilo não esquece mais. Faço parte dessa geração que cresceu a admirar a potência, verticalidade e eficácia desse futebol tão diferente daquele que tínhamos por cá na altura. Tive a felicidade de, muitos anos depois, já nos anos 90, como jornalista, acompanhar outra equipa histórica do Ajax (feita por Louis van Gaal, ver peça à parte) e vi-a, inclusivamente, levantar mais uma Taça dos Campeões Europeus à custa do Milan de Fabio Capello numa noite quente na bela cidade de Viena - com um golo do então jovem prodígio Patrick Kluivert, que entrou aos 70’ e resolveu a final 15 minutos depois. Tinha 18 anos, o mais jovem a marcar e a decidir uma final da Champions. Os adeptos do Ajax haviam passado o dia a brincar com os do Milan no centro histórico de Viena. Levavam uma t-shirt com uma insolência estampada: «Milan, Milan… who the f… is Milan?». Os italianos franziam o sobrolho mas alinhavam na brincadeira porque não lhes passava pela cabeça serem surpreendidos - na altura, o Milan era uma espécie de Real Madrid italiano da Champions. Os holandeses ganharam e fizeram uma festa colossal que se prolongou no dia seguinte pelas ruas e canais de Amesterdão, onde a equipa passeou a orelhuda a bordo de uma barcaça. Difícil não gostar deles.
Hoje, outra bela equipa do Ajax recebe a Juventus depois de passar a ferro o tricampeão em título Real Madrid (4-1) no Bernabéu depois de passar incólume pela Alliaz Arena de Munique (1-1) e pelo estádio da Luz (1-1). O sonho destes jovens lanceiros chamados De Jong, De Ligt e Van de Beek é o mesmo sonho que outrora animou Cruyff, Neeskens e Keizer; Van Basten, Rijkaard e Bergkamp; Seedorf, Davids e Overmars; e, mais recentemente, Ibrahimovic, Sneijder e Van der Vaart. Ganhar o título europeu. A equipa sensação da prova não é propriamente uma surpresa porque já havia indícios muito fortes da sua qualidade. Lembre-se que há apenas dois anos o Ajax chegou à final da Liga Europa para ser derrotado em Estocolmo (0-2) pelo mais experiente United de Mourinho. Embora tenha perdido vários jogadores pelo caminho (Davinson Sánchez, Riedewald, Davy Klaassen, Amin Younes, Bertrand Traoré e Justin Kluivert…) e o próprio treinador (Peter Bosz, que foi substituído por Marcel Keizer; sendo este posteriormente rendido por Erik ten Haag) a verdade é que o núcleo duro manteve-se (De Ligt, De Jong, Schone, Ziyech, Dolberg) e ganhou considerável maturidade nestes dois anos. Maturidade e algo mais com a chegada no último verão do médio trintão sérvio Dusan Tadic (do Southampton), uma contratação que passou despercebida e que veio a revelar-se uma adição inesperada de magia e capacidade de decisão a uma equipa carente de um líder maduro. Tadic agarrou brilhantemente a oportunidade e desempenha neste Ajax o papel que era de Litmanen e Rijkaard no Ajax baby de Van Gaal. Quem o vê jogar pergunta-se: Dusan, que raio andaste a fazer até agora?
Todos os sonhos do Ajax são permitidos, mas convém lembrar que do outro lado há uma equipa forte e experiente, bem mais sólida e eficiente que o Real Madrid aburguesado e sem fome que soçobrou fragorosamente às estocadas dos lanceiros. E atenção que pode haver Ronaldo (não é certo que seja titular no momento em que escrevo este texto), o que faz toda a diferença uma vez que estamos a falar do jogador mais decisivo da história da Champions. A Juventus confia nele e faz bem. Viu-se na eliminatória com o Atlético Madrid o que pesa Cristiano nos momentos decisivos. Para nós portugueses era bom ver Cristiano e João Cancelo nas meias-finais. Mas que é difícil, para um adepto neutro, não simpatizar com a enésima saga destes meninos do Ajax…
Michels, Cruyff, Van Gaal... três equipas para a história
O Ajax é dos poucos clubes europeus que produziu equipas ganhadoras de títulos internacionais em três períodos distintos. A lendária equipa tricampeã europeia na década de setenta - onde brilhava o genial Cruyff, mas também Neeskens, Keizer, Haan, Krol - é a mais famosa de todas. Foi concebida pelo pai do futebol total, Rinus Michels (também o treinador da Holanda laranja mecânica de 1974) e sublimada pelo treinador romeno Stefan Kovacs. Cruyff, na versão treinador, foi o autor do segundo grande Ajax (meados dos anos 80, cruzou-se com o FC Porto de Artur Jorge e Ivic) numa altura em que o clube já não conseguia segurar as maiores pérolas - vide a transferência de van Basten e Rijkaard (via Sporting-Saragoça) para o Milan. O terceiro grande Ajax - segundo a ganhar o máximo título europeu - foi obra de Louis van Gaal nos anos 90: conquistou a Taça UEFA e três anos depois a Champions com um onze carregado de jovens talentos como Van der Sar, Seedorf, Overmars, Davids, os manos De Boer, Finidi, Kluivert e Kanu devidamente enquadrados pelos maduros Rijkaard (regressado), Danny Blind e Jari Litmanen.
Veremos se há um quarto grande Ajax na forja.