Ai Jesus, que lá vou eu...

OPINIÃO27.06.202004:00

Vieira derrotou, definitivamente, Lage, depois do jogo com o Santa Clara. Não apenas pelo silêncio oficial, mas pela afirmação oficiosa, embora demasiado diversa para poder ficar no segredo dos bastidores, de uma vontade irresistível de o substituir, o mais rapidamente possível.

E como o Benfica é o livro aberto que o FC Porto, por exemplo, não é, logo se soube de um emaranhado de contactos com putativos treinadores para o clube, entre os quais sobressaiu, sem surpresa, a figura de Jorge Jesus.

Tinha acontecido o mesmo, antes de Lage e depois do despedimento de Rui Vitória. Vieira queria resolver rapidamente o assunto e, de novo, queria resolvê-lo com Jorge Jesus, precisando, apenas, que o treinador desejasse tanto regressar ao Benfica que se dispusesse, de uma assentada, a espetar uma faca nas costas do clube-nação, que lhe deu fama e sucesso internacionais, e fazer uma aposta no escuro, onde a questão menos importante não seria, certamente, que tipo de projeto se propunha o Benfica, ou o seu presidente, defender. Apenas voltar a ser campeão nacional? Ir um pouco mais além no já esquecido projeto de recuperação do prestígio europeu e mundial? E com que meios? Estas coisas não se decidem de um dia para o outro. Vieira sabe disso. Tem experiência suficiente, intuição e esperteza para o saber. Mas sempre foi um homem de reações emotivas. Mandava o bom senso, de uma gestão racional, que avaliasse bem o momento, antes de virar o mundo do avesso com a sua justificável ira por ver o campeonato a esfumar-se numa derrota medonha e triste no estádio da Luz.

Vieira terá ficado seriamente afetado pelo que vira da equipa e pela desilusão de um resultado que desmanchava o sonho de voltar a ser campeão esta época e, com isso, atirar o seu rival do norte para uma longa noite escura, sem títulos, sem rendimentos, sem solução palpável para a resolução de uma crise desportiva e financeira. Enfim, a penúria.

Com aquela derrota irónica, na noite de S. João, Vieira percebeu que não perdia, apenas, três pontos. Perdia, muito provavelmente, o lance do xeque-mate.

Tal como acontecera, depois da saída de Rui Vitória, Jesus podia sentir-se tentado, mas não estaria disponível a tudo. Ou seja, não estaria disponível para ser uma solução imediata. Como de outras soluções, embora faladas, Vieira não se sentisse suficientemente tentado, o assunto ficava num limbo perigoso, tanto mais que, entretanto, surgia uma inoportuna assembleia, embora realizada em moldes de bendito confinamento.

Mas essa seria uma primeira e não particularmente difícil barreira. Um manifesto incómodo, mas não mais do que isso. O importante virá depois do verão. Se o Benfica não for campeão - e tudo indica que o não seja - terá de chegar à Champions por caminhos estreitos e se lhe acontecer o que aconteceu ao FC Porto, depois de terminar mal uma época, começar pior a seguinte, pode vir a ter influência imprevisível no resultado das eleições presidenciais de outubro. E isso, sim, é decisivo para o futuro de Vieira no Benfica.

Poder-se-á estimar, e com razão, que a conta corrente do atual presidente é largamente compensadora. É verdade, mas o povo do futebol não se importa de ser esquecido e ingrato e Vieira sabe isso muito bem. Daí que, apesar das contrariedades, e tendo Lage oficiosamente descartado, Jorge Jesus continue a ser a solução que Vieira encontra mais à mão de semear para resolver um problema que se tornou bem mais sério do que seria de supor. O atual estado da situação, no Benfica, está longe de ser crítico, mas causa perturbação e ansiedade.