Agora somos todos do mesmo clube!

OPINIÃO14.03.202003:00

SINCERAMENTE, não sei se vos apetece ler, aqui, mais alguma coisa sobre o coronavírus e a doença Covid-19. Também acho que estarão todos suficientemente informados das boas práticas de higiene que se tornam essenciais para maior contenção da epidemia, da necessidade de todos sermos mais responsáveis e mais solidários, do empenhamento de cada um de nós na solução coletiva que temos de ter para um problema coletivo e universal e que devemos levar em linha de conta que será um dos mais graves da nossa história contemporânea.


Dizia, ontem, a doutora Graça Freitas, diretora-geral da saúde, numa reunião que manteve com todos os diretores de jornais, rádios e televisões, que este é um vírus que tem duas características muito especiais: propaga-se com uma enorme rapidez e facilidade e já provou ser totalmente democrático, apanhando qualquer um pelo caminho, alto ou baixo, novo ou velho, gordo ou magro, rico ou pobre.


Não minto: o tema é, de facto, assustador e coloca o futebol e o desporto, em geral, na dimensão certa e na perspetiva correta. Toda aquela paixão que o futebol desperta, toda aquela desproporcionada emoção que, não raras vezes, nos tira do sério e faz de muitos de nós figurantes de um mundo virtual, é inexplicável e até comprometedora, quando estamos perante esta realidade nua e crua de uma epidemia que já matou milhares de pessoas em todo o mundo.
Talvez que nem tudo, no desporto e no futebol, seja mau. Talvez que se salve, para o novo e essencial problema que atinge toda a humanidade, a cultura de solidariedade própria de quem pertence ao mesmo clube e o espírito de equipa, essencial ao sucesso de um grupo. Agora, não será difícil de entender, pertencemos todos ao mesmo clube, jogamos todos contra um adversário que, este sim, é um inimigo.


Este fim de semana, muito provavelmente, quem ler este texto sentirá falta das suas rotinas e, nelas, a ausência sentida dos jogos de futebol. Depois não terá o divertimento das discussões mais ou menos boçais e grotescas sobre golos anulados por três centímetros e árbitros que nasceram só para nos tirar o prazer da vitória do nosso clube. O circo fechou, os palhaços recolheram aos bastidores, a festa segue dentro de dias, semanas, talvez meses. É bom que nos habituemos a isso, sem fazer ainda maior peso nas angústias existenciais que já nos carregam.


Pensemos numa pré-época sem o folclore daquele corrupio das transferências pensadas, concretizadas ou, apenas, imaginadas.
Eu percebo que a maioria se sinta como aqueles miúdos a quem, no meio do jogo, o adulto rouba a bola e o prazer. Há uma tristeza, misturada com angústia e, o que é uma novidade, medo. A notícia boa é que a história da nossa condição humana nos diz que o Homem a tudo se habitua e também se sabe o que o povo, na sua infinita sabedoria, diz: não há mal que sempre dure e bem que nunca acabe.


Ao longo das nossas vidas aprendemos a viver com o risco, mas sempre tivemos dificuldade em lidar com o inesperado. Daí que o espetáculo desportivo nos ajude à fuga do obsessivo. Pois bem, por uns tempos, temos de saber encontrar outras saídas. Talvez ler, talvez reaprender o prazer de ler, depois de reaprendermos o prazer de termos uma outra dimensão de tempo. Ter, enfim, tempo para ter tempo é um privilégio que há muito não nos era dado beneficiar. Por isso, aqueles que satisfeitos da sua curiosidade e interesse em saber o que se passa sobre o assunto de todas as horas e de todos os dias consigam sentir que o relógio andou mais lento do que era expectável, podem tentar pegar num livro ou num jornal, e ler.