AG: poder supremo do SCP - a competência
No artigo 42º dos Estatutos do Sporting Clube de Portugal proclama-se que o poder supremo reside na Assembleia Geral, sendo assim graves as violações das suas competências como do modo de funcionamento. É sobre essas violações que nos vamos debruçar, deixando para outra oportunidade a sua composição, outro tema que tem sido objecto da minha reflexão e que pretendo aprofundar.
Nos termos do artigo 43º, compete exclusivamente à Assembleia Geral, isto é, só a ela e a mais nenhum órgão social: alterar os estatutos do Clube e velar pelo seu cumprimento; eleger e destituir os membros dos órgãos sociais; deliberar sobre as seguintes matérias, salvo quando estiverem em causa meras aplicações financeiras (constituição e participação em sociedades desportivas relativamente às equipas que participem em competições desportivas de natureza profissional, participação em sociedades comerciais de responsabilidade limitada, ainda que reguladas por leis especiais, tomada de quaisquer outras participações, mesmo estáveis, e entrada em quaisquer associações com fins económicos, designadamente associações em participação ou consórcios, apoio e participação em quaisquer outras iniciativas e empreendimentos de carácter financeiro, incluindo jogos de fortuna ou azar de que tenha concessão oficial, nomeadamente o jogo do bingo, criação e dotação de fundações e alienação ou oneração de participações em sociedades, excepto se tiverem a natureza de meras aplicações financeiras ); fixar ou alterar, mediante proposta fundamentada, a importância das quotas e outras contribuições obrigatórias; deliberar sobre as exposições ou petições apresentadas pelos órgãos sociais ou por sócios e pronunciar-se sobre as actividades exercidas por uns e outros nas respectivas qualidades; deliberar sobre a readmissão de sócios que tenham sido expulsos; julgar os recursos que perante ela tenham sido interpostos; conceder as distinções honorificas que, nos termos estatutários e regulamentares, sejam de sua competência; apreciar e votar o orçamento de rendimentos, gastos e investimentos, com o respetivo plano de atividades para o ano económico, e os orçamentos suplementares que houver; discutir e votar o relatório de gestão e as contas do exercício, bem como o relatório e parecer do Conselho Fiscal e Disciplinar relativamente a cada ano económico; autorizar a realização de empréstimos e outras operações de crédito que excedam vinte por cento do orçamento de gastos e investimentos do ano; autorizar o Conselho Directivo a tomar compromissos financeiros que excedam dez por cento dos orçamentos ordinários e suplementares vigentes; autorizar, mediante proposta fundamentada do Conselho Directivo, a aquisição ou alienação de bens imóveis, bem como garantias que onerem bens imóveis ou consignem rendimentos afectos ao Clube, verificadas as demais condições estatutárias e regulamentares.
Para além da AG poder ainda pronunciar-se sobre qualquer outra matéria que lhe seja submetida pelo Presidente da AG, pelo Conselho Directivo ou pelo Conselho Fiscal e Disciplinar, tem ainda outras competências, consignadas nos estatutos e na lei.
Nos estatutos destacamos as competências consagradas nos números 2, 3 e 4 do artigo 6º, relativas aos meios para alcançar as finalidades do clube; as do artigo 15º, que admitem a possibilidade de criação de novas categorias de sócios; a atribuição das distinções honoríficas Leão de Ouro com Palma, Leão de Ouro e Leão de Prata; a aprovação da inscrição dos nomes de figuras representativas do clube, por serviços prestados a estes, em locais adequados no Estádio José de Alvalade ou noutras instalações do clube (artigo 27º, recentemente violado) e a readmissão de sócios expulsos.
Em matéria de atividade económica e financeira os gastos e investimentos realizados não poderão exceder, em cada exercício económico, o total dos rendimentos obtidos, salvo se a assembleia deliberar de forma diferente; como carece de autorização da AG a realização de gastos e investimentos que impliquem um défice superior ao orçamentado (como aliás se refere na alínea m) do artigo 43º), sendo que a violação desta norma por parte do Conselho Directivo implica a perda imediata dos mandatos por parte dos seus membros e a impossibilidade de, durante sete anos, qualquer desses membros poder desempenhar qualquer cargo nos órgãos sociais do Sporting Clube de Portugal, a menos que a AG delibere de outra forma por maioria de dois terços dos votos expressos.
Tenho-me dedicado, nos últimos tempos, ao estudo dos estatutos do Sporting, e à forma como são cumpridos ou não, porquanto, na minha opinião, não basta dizer que necessitam de ser alterados, mas sim actuar nesse sentido, com humildade e decididamente para que não se justifiquem as suas violações, algumas grosseiras, só porque os mesmos estatutos estão antiquados e não adequados à realidade. Quer se queira, quer não, eles não se podem só adequar às nossas conveniências, sem respeito pelas alterações sob forma legal!
No âmbito desse meu estudo, deparei com alguma jurisprudência, que não parece estar de acordo com algumas práticas recentes.
Por exemplo, num Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pode ler-se, em conclusão o seguinte: «A Mesa da Assembleia Geral não constitui um órgão da instituição (integra-se na Assembleia Geral, regendo os respectivos trabalhos) e não podem ser-lhe atribuídas competências que a lei expressamente reserva a outros órgãos.» E concluiu mais: «À Mesa da Assembleia Geral não cabe agir como órgão interino, tomando deliberações reservadas à Assembleia Geral, entre duas sessões desta, pois que até se não trata de um órgão autónomo, como tal eleito, da instituição Ré.» É exatamente nesta linha que eu entendo que é da competência da Assembleia Geral, e não da sua Mesa ou do Presidente desta a decisão se existe justa causa para a revogação do mandato dos órgãos sociais. Na minha modesta opinião, é à Assembleia Geral que cabe apreciar da existência ou não da justa causa e deliberar sobre a proposta de destituição, e não à Mesa ou ao seu Presidente que não têm essa competência atribuída pelos estatutos.
Curioso é também um Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Julho de 2009, onde pode ler-se:
«Numa Assembleia Geral de uma Associação, a discussão é, em principio, necessária para permitir aos participantes na Assembleia formarem a sua vontade de modo esclarecido. Se o Presidente da Mesa da Assembleia Geral não admite dois associados a intervir e lhes desliga o microfone, quando estes associados têm o direito a intervir na Assembleia Geral, a falta de participação destes associados na discussão é susceptível de afectar o resultado do processo deliberativo, visto que a sua exclusão forçada no processo de formação da vontade da Assembleia não garante que a formação do convencimento dos associados votantes tenha sido feita de um modo esclarecido. Tal garantia só poderia ser obtida através do mútuo esclarecimento proveniente de uma discussão aberta a preceder a emissão de votos. No pensamento da lei (artº 175º do Código Civil) a Assembleia não é apenas destinada à votação, mas também à formação do convencimento dos votantes através de um mútuo esclarecimento proveniente da discussão que eventualmente preceda a votação.»
Na última Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal ninguém desligou microfone nenhum, porque, pura e simplesmente, foi vedada a possibilidade de os associados exercerem o direito consignado na alínea a) do número 1 do artigo 20º dos Estatutos: «Participar nas Assembleias Gerais do Clube, apresentar propostas, intervir na discussão e votar»! Na verdade, e de uma forma simplista e unilateral, baniram-se os termos «apreciar», no caso do orçamento, e «discutir», no que respeita ao relatório de gestão e contas, na convocatória.
Ora, em minha opinião, se é da competência exclusiva da Assembleia Geral apreciar e votar o orçamento e discutir e votar o relatório de gestão e contas do exercício, só a Assembleia Geral é que tem a competência para prescindir da apreciação e da discussão, e não a Mesa ou o seu Presidente.
Não nos matamos uns aos outros só para não violar o Código Penal! Para não liquidar o poder supremo convinha cumprir o Código Civil e os Estatutos!