Adrien Silva em saldos

OPINIÃO11.08.202004:00

Adrien Silva confessou em entrevista a A BOLA/A BOLA TV que o seu nome não está em cima da mesa de reforços do Sporting e tomou conhecimento dessa realidade porque um intermediário, a seu pedido,  falou com o presidente e o treinador e ambos terão confirmado que assim  é.

Num modelo de entrevista que se vai transformado em objeto de luxo nos tempos de hoje, em que os canais oficiais de comunicação tudo querem controlar e nada permitem que se diga que não deva ser dito no interesse deles, tentando reduzir o espaço de informação ao óbvio e ao banal,  a jornalista Irene Palma, em trabalho para o jornal A BOLA e a televisão A BOLA TV, remou contra a maré e  coloca a sua assinatura numa peça que, no mínimo, é um sinal de revolta e um interessante convite à discussão.

O jogador parece ter ficado incomodado com a recusa do Sporting, mas  faz pouco sentido  querer regressar à casa de partida três anos depois de a ter trocado na sequência  de um processo de transferência inusitadamente turbulento e que o obrigou a seis meses de paragem até poder retomar a competição regular em Inglaterra.

Adrien lutou pelo seu futuro, por um contrato melhor, bem melhor, direi, numa das principais ligas  mundiais e quanto a isso nenhum pecado se lhe aponta. O problema é que talvez tenha dado um passo maior do que a perna e o  profissional que era admirado e respeitado na pacata vidinha da periférica liga lusa depressa desapareceu no campeonato inglês,  enorme, frenético e impiedoso, em que cada jogo é encarado como sendo o mais importante de todos e onde os bons sobrevivem, os muito bons  destacam-se  e os virtuosos marcam a diferença.

Para quem se deixa seduzir pelos sonhos, ser apenas bom não chega e esse foi o erro de avaliação de Adrien, habituado a um ambiente familiar e protetor que quase tudo lhe perdoava, quando resolveu arriscar no salto  para um patamar de estrelas, ferozmente exigente.  Fê-lo para ganhar mais dinheiro, a oportunidade por que todos anseiam, mas falta-lhe justificar no campo, com exibições a condizer, a aposta que nele foi feita.
    
A desculpa que deu em relação aos treinadores não me parece adequada porque, se houver qualidade, o trabalho e a  dedicação, mais tarde ou mais cedo, acabarão por impor-se. Desistir é que nunca será decisão recomendável, para o próprio e muito menos para convencer um selecionador, sendo a chamada à equipa nacional  a ambição máxima de qualquer jogador.

Espantou-me esta entrevista, pela raridade jornalística que ela representa, em primeiro lugar, e por enxergar mal as contradições do entrevistado, o qual, entre outras revelações, se fez convidado para voltar ao Sporting (ganhar o mesmo que recebe em Inglaterra?), sem uma razão objetiva para tal atitude, a não ser a de abdicar de uma aventura demasiado ousada para ele, refugiar-se no aconchego do leão e, sob a sua proteção, avivar o interesse de Fernando Santos.

É uma péssima estratégia, tradutora de alguém que se sente à deriva. É legítima a sua vontade de representar a Seleção campeã europeia e vencedora da Liga das Nações, mas se foi emprestado pelo Leicester e não se afirmou no Mónaco, santa paciência, a culpa não deve ter sido só dos treinadores.

Adrien Silva enredou-se nas explicações e nas soluções. Foi pródigo nos elogios a Jorge Jesus, em que só faltou pedir-lhe um lugar no plantel do Benfica [«Conhecemo-nos muito bem, sabemos o que podemos dar um ao outro» ou «Benfica? Sabemos que com Jesus  é para lutar por títulos e vejo isso com bons olhos»], mas a jornalista quis saber mais  e perguntou-lhe se está mentalmente preparado para jogar no Benfica ou no FC Porto.
Resposta cristalina: «As pessoas esquecem-se de que somos profissionais, temos família e o que quero é um desafio cativante para lutar por títulos.»

Fiquei esclarecido, principalmente depois de ler em A BOLA que Rúben Amorim terá desaconselhado, ou recusado, o nome de Adrien Silva com base em argumentação estritamente técnica. Pretende um reforço para a zona central do meio campo «com características bem definidas e que são em tudo distintas daquilo que Adrien poderia acrescentar ao Sporting». Ou seja, o treinador leonino procura um médio que tenha golo, à imagem de Bruno Fernandes, «com vocação claramente ofensiva, capaz de ocupar terrenos adiantados» e não apenas «fazer os equilíbrios a meio-campo», no caso de Adrien que, coincidência ou não,  nunca mais marcou um golo desde que viajou para Inglaterra.

Comparação plena de oportunidade entre dois antigos leões que seguiram a mesma rota no mercado europeu:  Adrien Silva continua sem convencer  no Leicester, ao invés de Bruno Fernandes, a estrela que mais brilha no Manchester United e que já é uma das principais referências na Liga inglesa.
Se fosse Bruno a pedir para regressar, Varandas e Amorim  iriam recebê-lo ao aeroporto e fariam uma festa. Porquê? As coisas são como são:  Bruno é grande e Adrien não.