Adeus
1 - Ontem foi o dia de Cavani e de Mbappé. Mbappé derrubou a Argentina. Cavani afastou Portugal. Ontem não foi o dia nem de Cristiano Ronaldo, nem de Messi. Ambos mostraram-se mas não apareceram. Não fizeram a necessária diferença. Mbappé e Cavani fizeram grandes exibições e golos impressionantes. Ontem, o campeão da Europa deixou a Rússia face a um Uruguai matreiro e eficaz. Portugal fica, assim, nos oitavos de final de uma competição em que as grandes estrelas estão, ou foram, ofuscadas pelo talento de jovens jogadores ou, então, pela qualidade de velhas raposas da área. Este afastamento da Rússia, doloroso, determinará, estou convicto, algumas reflexões. Antes de mais a Fernando Santos. Depois, a toda a estrutura federativa que, é justo dizer, criou todas as condições para que a Seleção fosse o mais longe possível. Agora o que fica é uma dor. Nem intensa, nem imensa. Apenas a dor de uma derrota. Em que, de verdade, não entra a justiça por mais que a reclamemos ou a invoquemos. O que fica, sim, é este adeus prematuro ao Mundial da Rússia.
2 - Com as partidas de ontem são cinquenta os jogos já disputados neste Mundial da Rússia. Em que a segurança domina e predomina e em que os adeptos violentos de algumas seleções ou ficaram em casa ou, então, sentem verdadeiro temor pelo frio zelo das autoridades policiais - e diria também as judiciais - russas. Na fase de grupos foram marcados 122 golos e de entre eles, o que um recorde, vinte e quatro (24) através de grandes penalidades. Só um jogo terminou a zero, o Dinamarca-França. O que motivou justificados assobios da assistência. A Bélgica foi a equipa que mais golos marcou (9), logo seguida da Inglaterra e da Rússia (8). Quem sofreu mais golos foi o estreante Panamá (11), logo seguido da Tunísia (8) e da Arábia Saudita (7). O VAR foi a grande novidade deste Mundial - mais os milhares de dólares pagos pela FIFA a Maradona para marcar presença, por vezes com instantes perturbantes, nos estádios russos! - e, pela análise feita, não alterou as dezasseis seleções apuradas para os oitavos de final . Não foi pelo VAR que a África ficou sem representação. Mas foi o VAR que fez cair Portugal para o grupo da morte, já que, sem VAR, a Espanha teria ficado no segundo lugar do nosso grupo. Como a França também cairia para o segundo lugar e não tinha disputado o acesso aos quartos de final com a Argentina. Teria jogado com a Croácia tal como a Suécia jogaria com o Brasil. Assim o VAR influenciou três grupos: B, C e F. Faltam, assim, catorze jogos. Vão continuar as incertezas dos resultados, as cautelas táticas e o VAR, que na fase de grupos avaliou 335 jogadas e lances, vai continuar a ser usado para reverter momentos e determinantes - como ocorreu em 14 situações na fase de grupos - para alteração de resultado final. Com a consciência que o VAR no Mundial da Rússia, ao que se lê, é auxiliado por 33 (trina e três) câmaras de televisão. É obra! É o domínio total do espetáculo. A força das televisões. A combinação da incerteza com a consciência da força das imagens. Mas com a certeza que o VAR são homens concretos. Com os seus erros e as suas certezas. E, também, com a consciência da global avaliação! E das locais críticas. De Marrocos ao Irão!!!
3 - Os Mundiais são momentos para leitura complementares. Para aprendermos e para meditarmos acerca do que se lê e, logo, se descobre. Há poucos dias comprei um livro - editado já em 2018! - que descreve o futebol como arma política e aborda essa utilização de Estaline a Putin. O livro - de Régis Genté e de Nicolas Jallot - conta a história da URSS - União Soviética - e da Rússia através do futebol. E leva-nos a descobrir que o grande compositor Dimitri Chostakovitch, apaixonado também pelo futebol, um dia disse que o estádio de futebol era o único local no tempo soviético onde se podia ser não só por mas também contra! O estádio era um espaço de afirmação e de identidade e Lavrenti Beria - o sinistro homem do aparelho de segurança soviético - não deixou de prender, em situações indignas, largas dezenas de dirigentes e jogadores de equipas que faziam frente ao então Dínamo de Moscovo, a equipa da polícia política. Que nós conhecemos como KGB, mas que antes se denominava NKVD! E estas leituras são bem interessantes e poderiam ajudar alguns intelectuais lusitanos a refletir acerca das suas teses - bem empíricas - acerca do futebol e das suas formas de alienação. Que, como se vê, também foram formas de afirmação e até de identidade!
4 - Arrancam ao longo desta semana os trabalhos das nossas principais equipas de futebol. O novo Sporting anunciará o seu treinador e busca o regresso de jogadores que rescindiram o contrato. O Futebol Clube do Porto tem ainda alguns dos seus jogadores na montra mexicana do Mundial e acredito fará a recomposição de parte do seu plantel. E o Benfica sabe que tem uma época de verdadeira reconquista e, por excelência, esta reconquista nas palavras de um dos novos e sonantes nomes, o avançado argentino, Facundo Ferreyra, implica estar dentro da Liga dos Campeões. Ou na sua concreta expressão: «O Benfica não pode ficar de fora da Champions!» E entrar na competição principal de clubes é determinante. Para o arranque da reconquista. Mas com a consciência que para além da reconquista, o Benfica tem de ter presente, bem presente, nos tempos próximos outras duas palavras que começam com a mesma letra R: responsabilidade e resistência. Sim resistência! Muita resistência! Como se perceberá!
5 - Voltemos a números e dados de Mundiais de futebol. A menor assistência - apenas 300 pessoas - aconteceu em 1930, no primeiro Mundial (Uruguai), no jogo entre a Roménia e o Peru. A maior e impressionante assistência aconteceu no Estádio do Maracanã no Brasil-Uruguai no Mundial de 1950. No dia 16 de Julho. Pagaram bilhete 173.850 pessoas. Vibraram com o jogo 199.854 espectadores. Uma multidão que chorou com a derrota brasileira. Já que ao que consta eram apenas cem (100) os uruguaios. E, assim, se constrói a história do futebol. Agora jogo infinito nesta aldeia global. Com os hinos a serem o momento de cada localismo e de cada identidade e com os grandes nomes a serem referências permanentes dos sonhos de milhões. Sem que haja, aqui, fronteiras. Mas, por ora, continuamos a vibrar com o futebol deste Mundial. Que é, muitas vezes, uma verdadeira montanha russa!