Ada Hegerberg
A norueguesa Ada Hegerberg, Bola de Ouro, foi desconsiderada pelo DJ do evento, o francês Martin Solveig, que lhe pediu um twerk, dança de conotação sexual. Ela recusou e ele humilhou-se em desculpas. Esta é a parte evidente, a que nos leva a dizer coisas imediatas e bastante acessíveis como ‘ao Ronaldo não o pedem’. Convém, porém, decompor a ideia, sobretudo porque não é verdade que a Ronaldo não o pedissem. Aliás, já todos vimos mais Ronaldos em cuecas nos outdoors do que alguma vez veremos Ada. A questão, parece-me, não pode ser apenas essa.
Tentei pensar no que separa este caso de outro: nos EUA, o apresentador James Corden pediu a Ibrahimovic para fazer o floss, dança ritmada com a cintura. Ele fê-lo e as notícias deram Ibra como bem-disposto. Porque não foi Corden sexista? Porque são homens? Não será por aí. Porque Ibra aceitou? Se Ada tivesse aceitado Solveig não seria criticado? Claro que seria.
Analisemos outro caso ainda: Theresa May foi troçada por desajeitado pezinho de dança na África do Sul e dias depois em Inglaterra entrou num congresso dos conservadores ao som de Dancing Queen. Na primeira vez dançou porque quis, contudo na segunda foi surpreendida, compelida, e repetiu o baile. Serão os 62 anos de May menos suscetíveis do que os 23 de Ada? Terá o sexismo, além de vítimas, público alvo?
Acontece que Ibra e May estavam em zonas de poder. Fizeram cedências, desceram à normalidade. Já Ada pisava um palco sem estatuto, ainda que melhor do mundo. O contexto, veja-se, abarca não só o preconceito de Solveig, afinal. É quase tão ofensivo o pedido do francês quanto é o nosso constrangimento, porque o enquadramento mental é comum, porque sabemos o que Solveig pensou. É o que nos envergonha. A ela, note-se, não se lhe pediu para descer à normalidade, antes que subisse dançando à normalidade. No futuro, com os nossos filhos e netos, confio que os enquadramentos serão outros. Entretanto, há que tirar Solveigs, e o que de nós ainda representam, de palcos assim.