Acabou-se o 'trio'

OPINIÃO22.09.202004:00

A primeira jornada da Liga portuguesa apenas serviu para  confirmar que, quanto a reais candidaturas à vitória final, tudo como continua como antes, duas, igualmente fortes, pois se o Benfica se reforçou para recuperar o título, o FC Porto conseguiu manter intacta a estrutura campeã para não o perder.

O mercado de transferências mantém-se aberto até 6 de outubro, com tempo para novos capítulos da novela Gerson-Bruno Henrique, que o Flamengo alimenta e Jorge Jesus consente, enquanto na casa do dragão se projeta a venda de Alex Telles, e talvez de mais alguém, o que levou o treinador Sérgio Conceição, sempre discreto em questões sensíveis como esta, a declarar tão-somente que não ficaria aborrecido se entrasse mais alguém, porque a época é longa e as frentes competitivas desgastantes. A mensagem foi enviada, espera-se pela resposta.

Na estreia da versão 2020/2021 do campeonato português, o novo Benfica, contrariando todas as expectativas, dominou e goleou o Famalicão, que foi a mais agradável das surpresas na temporada que findou. A equipa que volta a ser orientada por Jorge Jesus surpreendeu por não se esperar uma melhoria tão significativa três dias depois de ter sido eliminada da Liga dos Campeões por um modesto PAOK, organizado, determinado e  corajoso, é verdade, mas fraquinho, e nem assim o velho Benfica, de pobre espírito de luta, foi capaz de honrar a grandeza e a história do emblema da águia.

Será que Jesus teve noção dos efeitos das suas decisões, considerando desnecessário chamar os rostos da mudança, que tão caro custaram? Provavelmente, sim, porque a diferença de valores entre os intervenientes era claramente favorável ao Benfica. Além de que, se mudasse como mudou agora, ainda com a casa por arrumar, não seria seguro que o jogo lhe corresse de feição, como não correu, e, nesse caso, o prejuízo seria maior, na medida em que exporia ao desagrado público os reforços inocentes.

Com a sua decisão conservadora, Jesus acreditou que seria possível transpor o obstáculo grego  sem provocar roturas bruscas, nem suscitar melindres. Quis dar uma última oportunidade a quem estava e que talvez pensasse ter influência bastante para se considerar intocável.

Foi  uma vergonha, não há termo mais simpático. Voaram mais de 40 milhões de euros e o próprio Jesus confessou que o sonho era grande por acreditar que existiam condições para o Benfica chegar longe na Champions. Hoje, percebe-se melhor o significado dessas palavras que na altura foram interpretadas como mera desculpa circunstancial, ditas por quem não sabia como explicar-se. Porém,  mais uma vez, no acerto de contas, quem tem de pagar a fatura é Luís Filipe Vieira, o menos culpado. Só não vê quem não quiser.

Por que não alinharam de início Darwin Núñez e Waldschmidt? Um acabara de chegar e o outro fora convocado para a seleção da Alemanha. Seria um risco e,  perante o nome do opositor, apesar de treinado por Abel Ferreira, conhecedor das virtudes e das fraquezas da águia, sugeriu a prudência que fossem poupados. O que ninguém previra é que a falta de aplicação fosse tamanha entre alguma gente titular, em Salónica. Gente que sobrevive por não existirem alternativas à altura, mas que, notoriamente, vai revelando evidentes défices que lhe retiram o privilégio de lugar cativo num processo mais exigente em termos de intensidade competitiva.

Confesso a minha surpresa quando tomei conhecimento das mudanças operadas por Jesus no onze para defrontar o Famalicão, pois não esperava que ele fosse tão fundo. O clube agradece e os adeptos também, obviamente, porque foi preciso coragem para atacar o centro do problema ao sentar Pizzi no banco, dizer a Rafa Silva que ou se esforça ou fica de fora e alertar André Almeida que está na calha um jovem com imensa vontade de triunfar e a quem o treinador augura risonha carreira como lateral-direito. Foi Jesus quem o disse, não mandou dizer.

Foi também muito claro ao sublinhar que não é nada contra ninguém, simplesmente há mais qualidade no plantel, a preferência tem de ser dada aos melhores, e este trio da vida airada, que integra o capitão e um subcapitão, já começava a tornar-se notado por esboçar um subgrupo dentro do grupo que é a equipa, que se quer forte, disciplinada e obediente ao seu treinador.

Com Darwin Núñez e Waldschmidt entendi o que Jesus quis explicar com avançados que empurrem o jogo para a frente. Confirmei que Seferovic está fora e que  Vinícius,  além de menos dotado na execução, é pouco culto taticamente. Quando ele entrou em jogo frente ao Famalicão passou a imagem de um ator estranho que não sabia onde estar nem o que fazer no palco.

Neste novo Benfica viu-se sempre gente na área, um, dois ou até três jogadores em zonas de finalização. Viu-se na asa esquerda  brilhar a estrela de Everton, um autêntico ás, de classe muito superior ao eterno prometedor Rafa Silva no corredor direito e que, por isso, vai ter de lutar como nunca pensou para justificar um estatuto que  alcançou mais pela generosidade jornalística do que pela competência do seu trabalho.

O Benfica tem de deixar de ser uma equipa de barriga cheia, que cozinhou em lume brando o franguinho Lage. Se o problema está na atitude, na entrega e no sacrifício, Jesus, que já é um galo que precisa de muita cozedura para ser trincado,  vai ser implacável com quem se habituou a programar o esforço para 60 minutos, quando um jogo demora 90. Primeira consequência foi a exclusão da Liga dos Campeões.