Abre-te, Sporting!
Otítulo da minha crónica de hoje é, obviamente, inspirado na expressão «abre-te Sésamo» do célebre conto árabe ‘Ali Babá e os 40 ladrões’.
Ao contrário do que alguns pensam, o Ali Babá não era ladrão como os 40 ladrões. Ali Babá era, segundo a história, um lenhador árabe que um dia esbarrou na floresta com um grupo formado por quarenta ladrões e apercebeu-se que mantinham guardado numa gruta um verdadeiro tesouro proveniente de inúmeros furtos. Para retirar a pedra que bloqueava a entrada na gruta era preciso proferir a senha - hoje palavra-chave - abre-te Sésamo
Porquê sésamo? Porque vem do latim sesamum, que designa um género de plantas, ao qual pertence o gergelim, uma semente muito usada pelos árabes para fazer comidas, óleos e pães e cujas sementes ficam dentro de uma casca que só se abre depois de muito esforço.
Cabe então perguntar porquê esta inspiração numa palavra mágica, quando o Sporting, neste momento, tem a porta, não aberta, mas escancarada, a fazer-me lembrar um programa radiofónico dos meus tempos de universidade!
Com efeito, nos anos 60, um apresentador de rádio, de seu nome Paulo Fernando, chegou ao Rádio Clube Português vindo da Rádio Universidade e, com irreverência e boa disposição, lançou um programa que começava assim:
«Mulheres cheguei! Porta aberta. Mangas de camisa. Tac. Tac. Cá vou eu. Tac. Tac. Se não gosta. Tac. Tac. Mude de posto. Tac. Tac. Mude para um posto médico.»
Assim aconteceu esta semana com uma auditoria à gestão de Bruno de Carvalho, encomendada à Baker Tilly pela Comissão de Gestão do Sporting Clube de Portugal:
Mulheres (e homens) de Portugal, cheguei! Porta aberta. Mangas de camisa. Está tudo à disposição de Portugal e arredores. Se não gosta, mude para um posto médico, de preferência, com um psiquiatra!
Se isto tem graça, muita alegria e boa disposição num programa radiofónico, não podemos deixar de pensar que isto não tem graça nenhuma quando estamos a falar de um clube e de uma sociedade anónima desportiva. É uma grande irresponsabilidade, como aliás o clube reconhece ao emitir um comunicado em que declara que «o Sporting Clube de Portugal viu hoje exposto um conjunto de temas da vida do Clube que de maneira alguma deviam ter sido exibidos da forma como foram», a fazer lembrar um «foi chato» de triste memória. Pergunto: e não se condena ninguém por isso? E não se averiguam responsabilidades?
Foi, pois, por contraste, que eu me lembrei da palavra mágica do conto do Ali Babá e os 40 ladrões. No meu clube não há pedras para retirar, não há bloqueios, não há assuntos que só interessam aos sportinguistas, não há palavras-chaves a proferir para ter acesso. No meu clube está tudo à disposição, não precisamos de piratas informáticos, toupeiras ou, simplesmente, ser sócios para saber o que lá se passa. Obrigado, meu querido clube, pois foi assim que o nosso Visconde de Alvalade te imaginou: «Queremos que o Sporting seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa!»
Aqui o temos: a fazer striptease para Portugal inteiro e para a Europa, pelo menos, do futebol. Nisso, não somos grandes; somos simplesmente os maiores!...
E não posso deixar de felicitar os media que, temerosos com a quantia de 17 milhões, não têm de falar de outros assuntos. Como sempre desviamos as atenções para nós que, vaidosa e orgulhosamente, queremos ocupar as primeiras páginas. Não queremos de forma alguma que percam audiências. Ou será que isto não é para desviar a atenção dos males dos outros, mas sim para não falar das nossas próprias incompetências?
O espectáculo está montado. Por pano de fundo o Sporting Clube de Portugal. Bastidores não existem. Os actores, desde os mais importantes aos simples figurantes, já se acusam na praça publica, ameaçando com acções, processos e queixas-crime, a lembrar outra batalha jurídica de há bem pouco tempo, e também de triste memória. Vira o disco e toca o mesmo!...
Olho, observo, vejo e ouço os diversos órgãos de comunicação social a relatar tudo isto. É o Octávio que vai ou não vai processar a protagonista dos dias que vão preencher semanas, ou seja, a auditora Baker Tilly, qual Madonna a andar a cavalo; é o ordenado de Jorge Jesus, membro da Comissão de Honra do candidato Varandas; são os ordenados de todos e mais alguns; são as comissões destes e daqueles, mas não de outros; são os serviços dos advogados sem questionar outros tempos e o que se pagou a outras sociedades, e sem se revelar quais são os processos que têm em mãos, para se poder avaliar se a questão é mesmo só montante dos honorários; são algumas más línguas a dizer que o dono da auditora foi membro do Conselho Fiscal de Godinho Lopes; é uma empresa de comunicação a dizer que também processa a auditora. A procissão vai no adro!...
Cabe-me perguntar: acham que isto vai dar a algum lado? Acham que os interesses do Sporting passados, presentes e futuros ganham alguma coisa com isso? Acham que é do interesse do Sporting discutir na praça pública se isto é a história do Ali Babá e dos 40 ladrões ou a história do ladrão e dos 40 Ali Babás?
Se acham, que o espectáculo continue! Se acham que o interesse do Sporting é pôr tudo na praça pública para gáudio dos nossos adversários e inimigos vamos em frente e não nos queixemos das nossas próprias culpas!
Eu sei que alguns vão dizer que eu quero que tudo fique escondido. Dir-lhes-ei que nunca fui cínico, nem hipócrita, apesar de ter certamente outros defeitos, e sempre fui frontal e implacável para quem não é serio e honesto para com o meu clube, que há cerca de quarenta anos procuro servir o melhor que sei e posso, sempre com a consciência de que já não posso retribuir o que ele me deu, nem o carinho que os sócios anónimos todos os dias me manifestam na rua ou noutros lugares. Tenho a porta aberta da casa deles. Por mim não cheguei agora, e continuarei em mangas de camisa, porque a minha profissão é advogado, e foi no exercício dessa nobre profissão que, servindo-me apenas de provas, me habituei a desmascarar os mentirosos.
Gostaria que, como foi prometido na campanha eleitoral, fossem arregaçadas as mangas de todos, em união, no interesse do Sporting. Constato com tristeza que continua a haver sportinguistas e sportingados, só que com outros nomes e com outras origens.
Abre-te, Sporting, porque o nosso coração só se fechará para ti na hora da morte!