À volta da roda dentada

OPINIÃO28.07.202004:00

1 Uma verdadeira roda de jogadores apontados como hipotéticos reforços do Benfica. Assim nos dizem os oráculos dos programas televisivos de «mercados», «transferências», «bastidores», nos quais se comentam exaustivamente «informações fidedignas». Imaginação não falta, fugas de informação quem sabe, empresários não descansam, neste delírio adventista que só o grande Benfica garante em dose superlativíssima.

De repente, com Jorge Jesus garantido como treinador, há pretexto especulativo para tudo no mercado de futuros: novos e velhos, esperanças e certezas, em formação e pré-reformados, consagrados e regressados.

Já não sei quantas equipas se teriam formado e não sei quantas centenas de milhões estariam comprometidos. A folha salarial rebentaria a escala. Vejamos uma listagem incompleta deste cabaz. Evidentemente que, com tanto tiro ao lado, em alguns se acertará. Que eu tenha dado conta são já 19. Só defesas centrais, há Garay, Rúben Semedo e Lucas Veríssimo. No meio-campo ofensivo e no ataque, Rodrigo, Everton Cebolinha, Cavani, Gelson Martins, James Rodríguez (vade retro…), Slimani, Bruno Henrique, Gaitán. E, ainda, há William Carvalho, Carlos Fernández, Gilberto, Gerson e Rafinha. E dois guarda-redes, Juan Musso e Diego Alves. Uf!

2 É óbvia a necessidade de a equipa se reforçar criteriosamente e em todos os sectores mais vitais, de outro modo não se veria como Jorge Jesus teria aceitado regressar. A desvalorização do plantel acentuou-se nos últimos anos e tem-se vindo a revelar insuficiente para o que deve ser o primeiro e inalienável objectivo do clube: o de vencer. E vencendo, convencer. E convencendo, voltar a vencer. E assim criando plenas condições para a hegemonia que sempre se invoca. Bem sei que há situações que se podem diluir ou esconder diante de mais um campeonato ganho e de fases mais positivas de desempenho. Foi o que aconteceu na época passada. Mas, também, aí houve jogadores de primeira classe - Jonas e João Félix - que muito contribuíram para o sucesso.

Pela defesa passaram, na última década, Garay, Luisão, David Luiz, Nélson Semedo. Agora temos jogadores esforçados, só isso. Com a excepção de Rúben Dias e vá lá Grimaldo, há jovens que foram lançados com a camisola do Benfica que tremem ao menor sinal de dificuldade, sobretudo psicológica. Tenrinhos, os três Tomás vindos da formação até podem vir a ser bons jogadores, com o tempo e com a companhia de líderes no campo que os estabilizem. Líderes no campo? Neste aspecto o plantel foi muito descapitalizado. Já não há Luisão, já não há Aimar, já não há Jonas, já não há Garay, já não há Matic, já não há Enzo Pérez, já não há Witsel… Como não há Di María, Gaitán, Lima, Cardozo, Rodrigo e mais uns tantos. Também já não há Bernardo, Guedes, Cancelo, Renato Sanches, etc. Bem como Ederson e Oblak (sem desconsiderar Vlachodimos), tendo sido um clamoroso erro ter atacado o penta com um sofrível Bruno Varela. A maior parte destes jogadores de eleição pouco tempo estiveram no Benfica. Alguns, apenas um semestre ou um ano. Assim, não há treinador que consolide a equipa e benfiquista que compreenda.

3 No meio de tudo isto, torna-se inevitável pensar na roda viva, mas dentada, de jogadores que, nesta última década, passaram pelo clube (ou nem sequer passaram). Nada que não tenha também acontecido, porventura em maior escala, nos rivais. É justo perceber que quando se escolhe um jogador, há sempre o risco de ser um falhanço. O que já não se pode aceitar é a quantidade de fiascos, alguns bem caros. De tanta quantidade, o problema passou a ser de outro teor: qualitativo.

Passemos os olhos por alguns exemplos de movimentações com um escasso ou mesmo nulo sucesso e de recrutamentos imediatamente transformados em empréstimos:
2010/2011 - Roberto, Franco Jara, Fábio Faria, Lionel Carole, Marcel, Élvis, Freddy Adu, Patric, Urretaviscaya, Éder Luís, Schaffer, Fellipe Bastos;
2011/2012 - Mika, Emerson, Melgarejo, Djaniny, Daniel Wass, Rodrigo Mora, Capdevilla, Michel, José Luiz Fernández, Djaló, Alan Kardec;
2012/2013 - Luisinho, Hugo Vieira, Felipe Menezes, Sidnei, Bruno Cortez, Luis Fariña, Mitrovic;
2013/2014 - Djuricic, Steven Vitória, Funes Mori, Sílvio;
2014/2015 - Cristante, Loris Benito, Bebé, Jonathan Rodriguez, Mukhtar, Menga, Candeias, Djavan;
2015/2016 - Luka Jovic, Carcela, Jhon Murillo, Pelé, Marçal, Jorge Rojas, Victor Andrade;
2016/2017 - Óscar Benítez, Marcelo Hermes, G. Celis, Pedro Pereira, Filipe Augusto, Carrillo, Danilo, Pedro Nuno;
2017/2018 - Martin Chrien, Mato Milos, João Amaral, Erdal Rakip, Douglas, Salvador Agra;
2018/2019 - Castillo, Conti, Alfa Semedo, Corchia, Ebuehi, Lema, Facundo Ferreyra;
2019/2020 - RDT, Jhonder Cádiz, Yony Gonzalez, Caio.
Com o que se gastou em aquisições, comissões e ordenados desta lista incompleta, muito menos e mais eficazes aquisições teriam tido um acrescido retorno desportivo.

4Segundo os dados do Transfermarket, os custos de aquisições feitas e de empréstimos obtidos, por um lado, e os proveitos de jogadores transferidos, bem como de empréstimos a outros clubes, estão evidenciados no quadro (em milhões de €). Importa referir que estes montantes não coincidem com o que terá sido contabilizado na Benfica SAD. É que os valores do quadro contemplam 100% dos direitos económicos, o que nem sempre acontece e não têm em conta os custos de transacção e de intermediação. De qualquer modo, dão uma ideia clara deste decénio, pois a diferença entre proveitos e custos é de cerca de 630 milhões, ou seja, uma média anual de mais de 60 milhões. Financeiramente falando, absolutamente notável!

Neste decénio, houve um forte investimento patrimonial, desde o pagamento do Estádio da Luz até à notável obra no Seixal e o clube esteve sempre presente na fase de grupos da Champions, com as suas sempre importantes receitas. Assim como se verificou uma descida impressiva do passivo financeiro e de reforço dos capitais próprios. Mas, também os custos de intermediação atingiram verbas demasiado elevadas, ultimamente em regime de quase monopólio. E sou capaz de intuir que toda a estrutura do e à volta do SLB é demasiado grande, pesada e cara.

A questão primordial é a da intersecção de duas curvas: a curva da situação financeira e patrimonial e a curva do sucesso desportivo. Sabemos que a sua correlação é elevada e que o ponto de equilíbrio não é fácil de prever e realizar. Podemos, apesar disso, considerar que uma supremacia dada em excesso à vertente financeira pode prejudicar o desempenho desportivo e que a concentração do esforço na vertente desportiva nem sempre tem resultados desejáveis e pode agravar a estabilidade das contas. Aliás, há um detalhe que ilustra esta correlação:  uma fonte de receitas decisiva - apuramento directo ou indirecto para a fase de grupos da Champions - depende do sucesso desportivo.

Na minha opinião, importará ajustar estas duas curvas. Por um lado, salvaguardar saúde financeira, mas não a tornar num fim em si mesma. Por outro lado, é necessário evitar a descapitalização dos plantéis e conseguir harmonizar maturidade e experiência com formação e juventude. É melhor contratar pouco, mas muito bem, em vez de uma catrefada de aquisições. E, quanto aos jovens da formação, pois que sejam bem aproveitados, no ritmo certo e acolhidos por colegas que lhes saibam redistribuir o saber da experiência técnica, táctica e emocional. A questão da formação só por si é uma falácia desportiva.

Tudo conjugado, considero, sem sombra de dúvidas, Jorge Jesus o melhor treinador que se poderia ter nestes novos desafios. Lutador incansável, sábio do futebol, líder maduro, gerador de talentos. Assim tenha também sorte e que Deus ajude Jesus.

Espero que o período pré-eleitoral não venha a fazer perder o discernimento e a racionalidade na abordagem ao mercado para reforçar fortemente a equipa. São precisos tiros certeiros e com probabilidade de sucesso alta.

P.S. I - Nem um saldo de 3 vitórias (9-1) em jogos com o clássico rival de Lisboa atenua a decepção de não se ter vencido o campeonato. Já o inverso, nem que fosse num só joguinho, consolava muitos sportinguistas. E. desta vez, até Rúben Amorim perdeu o sentido da realidade, dizendo que o SCP jogou melhor!...
P.S. II - No meu texto de há duas semanas critiquei a intenção de a BTV não fazer debates nas eleições de Outubro. Aqui o relembro, para que conste em A BOLA.
P.S. III - Neste ano, desportivamente estranho, dou-me férias desta coluna durante umas semanas. Dou-me e dou aos meus leitores. Até breve.