A única certeza é a incerteza

A única certeza é a incerteza

OPINIÃO29.04.202508:42

Do apagão de ontem às memórias da pandemia, numa sociedade formatada para o prazer imediato, à distância de um «click»; dos perigos de um Mundo virado do avesso, à perspetiva certa onde o fenómeno do futebol deve ser colocado...

Há quem tenda a dar tudo por adquirido, mas a vida encarrega-se de nos lembrar que não é bem assim. Nem mesmo a pandemia, que nos afetou com o impacto de várias megatoneladas, criou o efeito necessário para repensarmos várias coisas, nomeadamente o inesperado que, como se vê, está sempre atrás da porta, seja na forma de guerras onde campeia a desumanidade, seja na chegada ao poder de líderes globais com visão local, seja, até, através do apagão que mexeu, ontem, com as nossas vidas. Era para ser um dia como os outros, e não foi. Este Mundo prepara-nos para dias normais, mas cada vez mais o perigo espreita atrás da porta, as placas tectónicas da política e da economia deslizam e ameaçam colisão, e parece que o mote é seguir como se estivéssemos seguros do que há de vir a seguir.  

Valerá a pena refletir como, ao dia de hoje, somos ‘internetdependentes’, não no sentido das adições das camadas de população mais jovens às redes sociais e quejandos, que só por si são suficientemente graves para que lhes seja dada uma atenção que está a passar ao lado, mas para o preenchimento de necessidades básicas como ir ao supermercado, levantar dinheiro no multibanco, ou reabastecer o automóvel. Se há uma peça da cadeia que falha, o sistema ‘crasha’ e regressamos aos tempos da revolução industrial. 

Esta falibilidade, quando estamos rodeados de pessoas que mascaram as suas próprias fragilidades com certezas absolutas, que tendem a tudo desvalorizar, é assustadora, e pode levar-nos a um retrocesso civilizacional sem precedentes, para o qual não estamos minimamente preparados, rendidos que, coletivamente, estamos à sociedade tecnológica, que gera resposta imediata e satisfação à superfície, mas que deve ser temperada com outros condimentos, presentes, aliás, na mensagem que é o legado do Papa Francisco. 

Não se pense que esta é uma visão retrógrada e catastrofista, porque não tenho dúvidas quanto aos benefícios da inovação e da evolução em todos os campos. Mas não podemos ficar prisioneiros de um sistema que nos controla como não há memória na história da humanidade, a ponto de nos sentimos impotentes se ele nos falha.  

O dia de ontem devia ser motivo de reflexão, quando estamos a poucos dias de um ato eleitoral, para todos aqueles que em vez de discutirem coisas importantes, que impactam na nossa vida, preferem caçar votos baseados em minudências, sem pudor quanto à demagogia que usam e ao populismo que invocam. 

O Mundo está em guerra, das bombas de Putin e Netanyahu, ao terrorismo do Hamas, passando pelas taxas belicosas de Trump, vivemos um tempo que só tem certeza na incerteza, somos vulneráveis às dependências tecnológicas que criámos, e parece que poucos são os que estimam o valor da estabilidade, como se o que nos rodeia não fosse suficientemente disruptivo. Francamente, não sei o que é preciso mais acontecer para que a hierarquia das prioridades se imponha, tendo como topo o interesse comum, e não a vaidade particular. 

PRIORIDADES E FUTEBOL 

Também em relação ao futebol, numa altura em que as sondagens têm revelado que é o tema que os portugueses mais gostam de debater, valerá colocar as coisas em perspetiva. É evidente que se trata de uma atividade apaixonante, que arrasta multidões e avoca boa parte do noticiário nacional. Mas, perante o apagão de ontem – tal como tinha acontecido com o incêndio que fechou Heathrow mais de 24 horas – que podia ter mexido de forma realmente dramática com as nossas vidas (estivemos sem eletricidade 12 horas, imaginem o que seria se fossem 12 dias, para já não falar em 12 meses...), se, por exemplo, tivéssemos, como sociedade, sofrido os perigos da escuridão se manter para lá do pôr do sol, como sucedeu há alguns anos em Nova Iorque e Los Angeles.

 Sim, Arrigo Sacchi tem razão e quem não vir que o futebol, mesmo para os apaixonados, como é o meu caso, é a coisa mais importante das coisas menos importantes das nossas vidas, mal andará.  

E é bom que esta mensagem seja repetida quando estamos na antecâmara de um final de temporada escaldante, para que, através do exemplo dos líderes, que têm sobre os ombros uma responsabilidade acrescida (só um é que pode ser campeão e o outro terá de saber viver com isso) as coisas sejam colocadas em perspetiva. Luís de Camões dizia que «o fraco Rei faz fraca a forte gente» e aquilo que será necessário nos próximos tempos é que os Reis de cada um dos castelos da Segunda Circular saibam estar à altura das circunstâncias, sem a tentação do bombeiro pirómano de apagar o fogo com gasolina.