A técnica do empuxo invertido
O português, regra geral, percebe de tudo. Aperta porcas, atarraxa parafusos, martela, pinta, ajeita-se com canalizações, sejam elas da casa-de-banho ou da cozinha, apara relva, acende bem o carvão do churrasco e, sobretudo, nunca uma mulher ficou a queixar-se das suas habilidades horizontais. Estas qualidades, porém, são coisas comezinhas quando comparadas com os nossos verdadeiros poderes. Se um português estiver num avião no momento em que este começar a fazer-se à pista, ainda mais se fosse no Funchal há 40 anos, ele vira-se para a pessoa do 4-C e, entre torcer o cotonete bem no fundo do ouvido direito até deixar a ponta alaranjada e cutucar com um fósforo sem cabeça o espaço entre caninos e incisivos, diz: «Hum, este piloto é maçarico. Se quiser fazer uma aterragem suave, tem de diminuir, de forma gradual, a velocidade e sustentação, talvez utilizando a técnica do empuxo invertido.» A senhora do 4-C sorrirá e perguntar-lhe-á se tem brevet, ao que o português responderá: «Não. Li na TV Guia.»
PERCEBEMOS mesmo de tudo. Arqueologia, zoologia, medicina, biologia molecular, fisiologia, ciência política, comunicação social, antropologia, história e linguística. Já vi velhinhos sentados em bancos de jardim, entretidos no dominó e a ler jornais, que, de repente, exclamam: «Este marreco deste jornaleiro não sabe que é errado escrever que o Bernardo Silva jogou em três clubes diferentes?! Queria o quê? Que tivesse jogado em três clubes iguais?!». O velhote do lado, enquanto coloca na mesa a carroça de seis, pergunta-lhe se é professor de português e o outro diz: «Não. Leio é muitos Classificados.»
IMBATÍVEIS mesmo somos na questão do vírus. Andam virologistas, médicos, enfermeiros a estudar anos e anos para quê, se um português de Carrazeda de Ansiães, por exemplo, sabe bem que a Terra é plana, o Homem nunca foi à Lua e que se desmascara um racista perguntando-lhe se tem amigos pretos. E sabe, sobretudo, que o Covid-19 não se combate com máscaras ou confinamentos. Sabe porque passou anos e anos a ler as Selecções do Reader’s Digest.
PORÉM, se há algo em que somos mesmo bons é como analistas desportivos. Miguel Oliveira venceu o GP de Portugal com 3,193 segundos de avanço sobre Jack Miller? Sim, «mas», esclarece o nosso jogador de dominó, «devia ter entrado na penúltima curva da 13.ª volta com um ângulo inferior». E Mourinho? «Está fora de moda e a precisar de reciclagem», diz o passageiro do avião, enquanto olha para o topo da classificação da Premier League do The Sun.