A revolução vermelha

OPINIÃO29.08.202004:00

Haverá sempre uma característica essencial que separa um grande clube europeu de um aspirante a grande clube europeu: o número de contratações por época. Um grande clube europeu, contrata cirurgicamente para melhorar a equipa no que considera ser um ou outro ponto mais frágil. Um aspirante a grande clube europeu contrata uma equipa nova na esperança de que a soma das escolhas dê um grupo equilibrado, forte, coeso. Nunca acontece. Esse milagre, o futebol não sabe fazer.


Em primeiro lugar, porque uma equipa nova precisa de muito tempo de trabalho e de coordenação, algo que o imediatismo dos resultados não consente; em segundo lugar, porque entre todos os jogadores que chegam, poucos são os que imediatamente se adaptam e correspondem, desde logo, às expectativas; em terceiro lugar, porque para os novos jogadores, mesmo que tenham um estatuto de reconhecimento internacional do seu valor, precisam de conhecer e de apreender a História e a personalidade do seu novo clube e por isso precisam de ter na sua nova equipa quem saiba transmitir essa História ; em quarto lugar, porque o futebol tem sortilégios que nem os mais preparados e competentes treinadores conseguem dominar e nunca será um dado adquirido que um jogador que marca, pela sua qualidade e influência, uma equipa venha a cumprir exatamente o mesmo papel numa outra equipa, num outro país, numa outra realidade desportiva e social.


Dito isto, viremo-nos para a nova realidade do Benfica. Ambiciona ser mais do que uma equipa líder em Portugal, assume o sonho de recuperar um prestígio europeu, que foi perdendo ao longo dos anos e por isso decidiu contratar um treinador que conhece bem e de capacidade afirmada nacional e internacionalmente, Jorge Jesus. Além disso, pretende fazer uma  revolução total no plantel, capaz até de ambicionar jogadores como Cavani, o que veio a provocar desgaste e a revelar-se uma utopia.


Ora um dos critérios essenciais ao sucesso de uma revolução é que ela seja rápida e decidida. Não é, como se sabe, o caso da revolução no plantel do Benfica, que, sobretudo depois de ter tropeçado nas complicadas negociações com Cavani, tornou-se lenta, hesitante, indefinida, dispersa.


Em resultado desta angustiante lentidão, Jesus trabalha, atualmente, com mais de trinta jogadores (quer apenas vinte e sete ou vinte e oito) espera ter ainda mais três ou quatro e, por isso, precisa de despedir mais dez, ou perto disso!


Tudo isto, no meio de uma pré-época muito exigente e complexa e já na perigosa aproximação aos primeiros jogos decisivos para a sua ambição maior a curto prazo: chegar à fase de grupos da Liga dos Campeões, ganhar os mais de quarenta milhões que esse objetivo proporciona e iniciar, em sensível tempo eleitoral, uma mudança capaz de entusiasmar e cativar os adeptos do clube.
E, mesmo assim, pode dar certo? Pode, mas apenas porque o acaso e a sorte também podem ser excelentes auxiliares de estratégias pouco estruturadas.


Jorge Jesus não pode estar contente com o indolente desenrolar dos acontecimentos. Ele abraçou um projeto, onde lhe prometiam Cavanis e sabe-se lá mais quantos craques. Porém, o Benfica está em marcha lenta e Jesus tem com ele uma equipa remendada com a agulha do que foi possível.


O futuro torna-se, assim, imprevisível. Sendo que o futuro imediato aponta para um tempo instável e o futuro a médio prazo dependerá da capacidade do Benfica usar o dinheiro que estava disponível para Cavani em jogadores úteis, mais jovens, que podem crescer e tornarem-se mais valias.