A ‘retoma’
1 - Iniciou-se o torneio clausura, oficialmente conhecido por retoma da Primeira Liga. O país político ficou aliviado, o país futebolístico acordou depois de uma letargia de três meses, o país televisivo voltou freneticamente ao país do futebol, o país mediático e das redes sociais tem agora material de sobra para entreter o país de nós todos. Uma retoma com todos os estádios - antes proscritos sanitariamente - a provar que, afinal, servem nesta fase pandémica. Uma primeira jornada - efectuada em fila indiana - de uma alegria pálida. Ou foram jogos com interesse desportivo nulo, apenas para cumprir o calendário, ou jogos com interesse classificativo de equipas, mas que, evidentemente, estão numa fase ainda cinzenta depois de um trimestre sem competição a doer. Verdadeiramente, não temos nem metade dos clubes a lutar por alguma coisa que se veja. Benfica e Porto para decidir o primeiro lugar, Sp. Braga, Sporting, Famalicão e Rio Ave para acederem a duas vagas da Liga Europa e Portimonense e Paços de Ferreira para ver qual não é despromovido, já que o Desportivo das Aves está fora da contenda. Os jogos entre as restantes equipas são um frete, não sei se para quem os disputa, mas certamente com interesse geral perto de zero. O título de campeão (em versão de dois tempos acoplados) é verdadeiramente o que está em causa. O cheque da Champions assim o dita, até mais para o Porto em situação financeira complicada do que para o Benfica. Nesta jornada, no entanto, vimos as duas equipas mais parecendo estar a ver qual delas menos merece a liderança. Este arranque evidenciou vários aspectos, que, necessariamente, carecem de confirmação ou de infirmação. Primeiro: este longo intervalo mostra uma aproximação competitiva das equipas, ou, por outras palavras, a diferença dos melhores plantéis ainda não se faz sentir, como aconteceria se a Liga não tivesse sofrido a interrupção. Por exemplo, nenhum dos cinco primeiros classificados antes do corte em Março venceu o seu encontro (FCP, Sp. Braga e Rio Ave perderam e SLB e SCP empataram). Houve, pois, uma maior convergência com as outras equipas, sem, todavia, ter havido melhor futebol. Segundo: evidente no caso do Benfica e também do Porto foi a importância da ausência de público e adeptos. Julgo até que o Benfica, com maior ou menor dificuldade, acabaria por vencer um Tondela que, tranquilamente, não sentiu a pressão de 50 mil ou mais benfiquistas. E dificilmente o Porto sairia derrotado em Famalicão, depois de ter chegado ao empate em momento crucial do jogo. Terceiro: o tempo perdido pelas equipas no confronto com os dois candidatos ao título tem tendência para aumentar, dado que não há pressão dos espectadores sobre os jogadores e, quiçá, sobre os árbitros. Isto foi notório na eternidade dos lançamentos laterais. Quarto: continuo a pensar que a falada introdução das 5 substituições, a nove jornadas do fim, é um disparate que não tem qualquer razão, fazendo aumentar as paragens e a confusão. Num campeonato não se devem alterar regras da competição durante o seu percurso. Estou a imaginar, um jogo entre uma equipa forte e uma mais fraca, em que esta está com um bom resultado e que promove 2, 3 ou 4 substituições nos últimos minutos ou no tempo de compensação. Vai ser bonito...
2 - O Benfica perdeu (mais) uma oportunidade flagrante para se adiantar na classificação. Uma enorme decepção, pois que este longo intervalo teria feito supor que o estado mortiço e desolador do Benfica de Fevereiro e Março estava erradicado. Mas não. O jogo com os tondelenses mostrou mais do mesmo: uma equipa amorfa, repetitiva, aos solavancos, desperdiçando 45 minutos e acreditando que o golo acaba por surgir mais tarde ou mais cedo. Claro que, mesmo assim, se poderia ter alcançado uma vitória até larga. Enão esqueço o contributo para o 0-0 do excelente guarda-redes do Tondela, um dos melhores de Portugal. Na minha opinião, há atletas que nem atrasam, nem adiantam. Jota não tem cabeça para ser jogador do Benfica. Diego Souza pode regressar ao seu clube contratual ou alguém estará à espera que marque o primeiro golo? Não me lembro de um período tão extenso de maus resultados. Nos últimos nove jogos, em todas as competições, apenas uma vitória e bem sofrida (Gil Vicente, em Barcelos), 3 derrotas (uma na Luz, contra o Sp. Braga) e 5 empates (dois dos quais, na Luz, contra Moreirense e Tondela), com um score de 10 golos marcados e 12 sofridos. Depois, de uma notável volta completa só com vitórias, eis que em 5 jogos se desperdiçam 12 pontos. Porquê esta drástica mudança? Sinceramente, não compreendo. Apesar de tudo, quero continuar a acreditar que ainda é possível ficar na frente. Quer o Benfica, quer o Porto vão perder pontos, julgo que mesmo em casa (o itálico é propositado). Vencerá o clube que tiver maior capacidade de concentração e de lucidez competitiva. Para tal, e do lado encarnado, não contribuem situações como as ocorridas após o jogo da passada quinta-feira. O ataque aparentemente planeado e não improvisado ao autocarro e a vandalização cobarde e criminosa das casas do treinador e de alguns atletas são factores que podem provocar desestabilização emocional neste momento decisivo. Sob a capa do anonimato, ninguém pode afirmar, com certeza, quem são os vândalos. Admitindo que possam ter sido adeptos (!) encarnados ou membros de grupos arruaceiros disfarçados ou não de claques, bem poderiam ser condecorados pelos rivais, prestando, objectivamente, um serviço aos concorrentes. Que porca miséria envolve certas faixas marginais no futebol! E tanta discursata, tantos organismos criados ou restaurados, tantas leis estéreis, tanta vagareza de processos, para nunca acontecer nada de verdadeiramente exemplar e transformador do que agora se chama pomposamente futebol-indústria (e a propósito, neste mundo global, veja-se a repercussão que houve nos media estrangeiros). Em suma, o hábito arquivador de braço dado com a selvajaria, neste país do queixa-andar.Entretanto, e como era de esperar, houve programas em que lágrimas de crocodilo foram derramadas por personagens de ficção, que, quase diariamente, acirram ânimos e suscitam erupções vulcânicas em mentes mais débeis.
3 - Neste momento, a classificação oficial do nosso campeonato é encabeçada pelo Benfica, pelo facto de ter melhor diferença de golos marcados e sofridos (Benfica, 52-14 e Porto 51-18). Se no fim da penúltima jornada os dois clubes continuarem empatados e com a maior diferença de golos marcados e sofridos favorável ao clube da Luz, é ainda o Benfica a comandar a classificação. Mas, na última jornada, com resultados idênticos, o Porto passaria para a dianteira e seria o campeão. Mais uma originalidade que, todavia, é agora revelada em toda a sua crueza. Percebo o critério da prioridade da diferença de golos, se os clubes empatados ainda não tiverem jogado os dois jogos entre si. Mas, uma vez estes efectuados, deveria prevalecer este definitivo critério, pelo que não se percebe muito bem a manutenção de uma fórmula que caduca na véspera do fim. Provavelmente, haverá condições para que a prova se venha a concluir. Mas, imaginemos, uma situação destas: o campeonato novamente interrompido e dado como concluído numa das próximas jornadas, com as duas equipas empatadas e o Benfica com melhor diferença de golos. Quem seria o primeiro classificado para efeitos do apuramento para a fase de grupos da Champions? Pela actual lógica classificativa, certamente, seria o Benfica...