A realidade e a sua perceção

OPINIÃO11.12.201801:07

À medida que as jornadas decorrem e os lances se multiplicam, a opinião pública vai construindo uma ideia clara sobre o que pensa e espera do videoárbitro. Por um lado, há o sentimento quase unânime de que a ferramenta, em si, é uma mais-valia com lugar cativo no futebol moderno. Por outro, há a ideia, também ela quase unânime, de que quem lida com este mecanismo nem sempre revela apetência, sensibilidade ou competência. Pode ser verdade, pode ser falso ou pode andar no in between, mas esse é, de facto, o sentir generalizado. O que toda a gente parece dizer a uma só voz.
Tenhamos a sapiência de não ignorar esses sinais, porque o resto do mundo também percebe um bocadinho de bola. Pelo que vejo, há duas lógicas em conflito: a realidade... e a perceção da realidade. A realidade é aquilo que move a coisa, de dentro para fora: existe um protocolo rígido, secundado por instruções firmes, que impõem que os VAR’s só atuem quando o erro, em campo, for evidente e óbvio. Já a perceção da realidade - aquilo que, cá fora, todos veem e esperam - é diferente: o videoárbitro existe para ajudar o futebol a ter mais justiça. Ponto final, parágrafo. Talvez por isso, a sua introdução tenha aumentado radicalmente as expectativas e exigências.
Na prática, uns e outros têm argumentos válidos mas parecem precisar de fine tunning. A expectativa das pessoas, o tal sentir exterior, não pode esperar que o videoárbitro acabe com todos os erros. Percebam que a intervenção em casos de dúvida, em lances de contacto indecifrável ou de intensidade subjetiva, estará sempre fora da equação. Percebam ainda que aquela mão nas costas, aquele chega para lá com o braço ou aquela meia chapada-carícia... também não entra nas contas. Por outro lado, é importante que, do lado de dentro, se perceba que têm existido várias decisões erradas: lances óbvios que não tiveram intervenção e outros, quase idênticos, que tiveram; momentos de ida ao écran para validação e outros, semelhantes, sem essa indicação; decisões claras com retificação e outras, bem parecidas, que se mantiveram. A incoerência descredibiliza, ainda que inocente. Faz com que toda a gente ande confusa e desacreditada. Levanta suspeitas desnecessárias. E isso é tudo o que a arbitragem não precisa.
O meu conselho a todos: reflitam. Reflitam bem, porque o assunto é sério e merece toda a atenção. A quem está de fora direi... não esperem por indicação do VAR quando, numa sala com dez pessoas, metade diz uma coisa e metade diz outra. Aos outros diria... não se agarrem ao rigor protocolar para defender uma decisão, quando a melhor decisão é, afinal, aquela que está à vista de todos.
As amarras desse código de atuação não podem nem devem negar, ao jogo, aquela que se percebe ser a decisão mais óbvia. A única decisão acertada. Não nos esqueçamos que a finalidade da tecnologia é servir o jogo, não encontrar argumentos técnicos para não o fazer. As orientações e instruções que existem são apenas meios para chegar a um fim. Um ponto de partida, nunca um ponto de chegada. Só os estagiários apitam com o livro das leis debaixo do braço. Todos os outros não. Haja sensibilidade, inteligência emocional e saber prático. Haja independência e coragem.