A questão dos dirigentes em Portugal
ABOLA é um jornal desportivo. Previsível, portanto, que ao escolher como título desta crónica de fim de semana A questão dos dirigentes em Portugal o leitor acrescente, mentalmente, o termo desportivo. Porém, a ideia que partilho convosco, assume uma natureza mais vasta. É que eu não consigo, nem quero, dividir a sociedade portuguesa em patamares de escada, como se no rés-do-chão tivéssemos a sociedade desportiva do país; no primeiro andar, a sociedade política; no segundo, a sociedade financeira; no terceiro, a sociedade pensante, ou intelectual; no penthouse, a sociedade empresarial. Essa não é a realidade do país, porque essa não é a realidade de qualquer país.
Penso, pois, que existindo, como acredito que exista, um problema de qualificação, de impreparação, de cultura, até de educação na maioria dos dirigentes desportivos em Portugal, também me parece óbvio que essa realidade não é exclusiva dos dirigentes do desporto, sejam eles voluntários não remunerados, sejam eles profissionais, dirijam eles pequenas agremiações de bairro ou estejam no comando de Sociedades Desportivas cotadas em bolsa.
É assinalável e elogiável que uma entidade com a responsabilidade política e cívica do Comité Olímpico de Portugal se tenha debruçado sobre a questão dos dirigentes desportivos e tenha perspetivado o problema numa visão transnacional da importância do dirigente como pilar da sustentabilidade do sistema desportivo. E também é louvável que uma entidade com as reconhecidas responsabilidades da Federação Portuguesa de Futebol dirija, agora, no meio da azáfama das multiplicadas missões em que se decidiu envolver, uma parte da atenção desse seu sempre crescente edifício institucional para a questão essencial da formação dos dirigentes dos clubes de futebol.
Porém, o problema da direção, administração e gestão em Portugal deve começar por ser avaliado e discutido numa perspetiva mais global e menos setorizada. Pela simples razão de que, em regra, temos diretores, administradores e gestores demasiado marcados pela cultura de exercício pessoal do poder e daí que confundam o interesse da empresa, do grupo, da instituição com o seu gosto, a sua personalidade e, o pior de tudo, o exibicionismo do seu estatuto de autoridade, que é sempre mais redutor do que a liderança.
Fala-se, muitas vezes, inclusive nos foros económicos, da improdutividade nacional. Mas de onde vem essa improdutividade? Da falta de qualidade dos trabalhadores ou da falta de competência dos gestores, que são incapazes de planear, de organizar, de projetar, de realizar?
Para muitos, talvez, mesmo, a maioria, toda a sedução de dirigir, de administrar, de gerir se esgota no prazer do mando, que não se pode, nem sequer etimologicamente, confundir com o prazer do comando. Quem comanda, sabe trabalhar em equipa, sabe organizar o seu grupo, tem consciência de que todos os homens, por mais sábios, têm limitação de conhecimentos e de saberes. Por isso precisam de outros que o completem. Porém, quem apenas manda tem uma visão egoísta, pessoal, solitária e por isso invariavelmente pobre da gestão de uma empresa, de um clube, de uma associação desportiva, de um sindicato.
É, no fundo, esta adulteração cultural do dirigente e do homem português que está na base de muitas deficiências e incompetências nas direções dos clubes desportivos e de uma enorme, diria, mesmo, uma colossal ineficiência das empresas. O desporto sofre com essa realidade, a todos os níveis do sistema. Portugal sofre com essa realidade em todos os seus setores públicos e privados.
============Normal (16497598)============
Por