A quarta força
António Salvador não vai concretizar, muito provavelmente, o sonho que persegue desde que em fevereiro de 2003 chegou à presidência do Sporting Clube de Braga e nesse mesmo ano se arrepiou por ver a sua equipa terminar o campeonato em modesto 14.º lugar, à beirinha da despromoção.
Observador atento, e possuidor de uma sagacidade notável, depressa percebeu que só com organização, competência e exigência conseguiria trilhar o caminho do sucesso. Com os erros dos outros acelerou a sua aprendizagem e através dela o emblema bracarense mudou de vida, libertou-se definitivamente do fraco objetivo da manutenção para subir vários degraus na classificação e declarar como habitação regular o 4.º lugar (nove vezes), no conjunto de 16 participações, a que se juntam três quintos, um sétimo (2008), um nono (2014), um terceiro (2012) e um segundo (2010), em que discutiu o título com o Benfica até à derradeira jornada.
O estatuto de vice-campeão abriu-lhe as portas da Liga dos Campeões. Foi terceiro no grupo de qualificação, atrás do Shakhtar e do Arsenal e passou à Liga Europa onde rubricou uma carreira fantástica, o que mais fez acreditar Salvador de que o sonho seria possível. O SC Braga eliminou o Lech Poznan nos 16 avos de final, o Liverpool (!) nos oitavos, o Dínamo de Kiev nos quartos e o Benfica nas meias-finais. A 18 de maio de 2011, em Dublin, jogou a final com o FC Porto. Perdeu (0-1), com golo de Radamel Falcao, mas o clube, a cidade e a região de Braga ficaram, definitivamente, registados além-fronteiras.
Por cá, o SC Braga foi finalista da Taça de Portugal em 2015 e 2016. Perdeu na primeira, quanto era treinado por Sérgio Conceição, frente ao Sporting, e triunfou na segunda, com Paulo Fonseca, diante do FC Porto, cinquenta anos depois da primeira vitória minhota na prova (1966).
Na Taça da Liga, em treze edições, conquistou o troféu em 2013, com José Peseiro ao leme, e agora, em 2020, com Rúben Amorim, um treinador não habilitado mas que Salvador, com o frenesim que o caracteriza, promoveu a principal, por mera intuição ou qualquer outra razão que só eles conhecem, mas em boa hora o fez. Foi uma espécie de euromilhões que saiu ao presidente bracarense, absolutamente necessitado desta injeção de ânimo, e também ao próprio Rúben Amorim, o qual não deverá ser importunado por falta de grau (profissional) nos tempos mais próximos.
António Salvador tem uma personalidade difícil, refletida na intolerância perante o fracasso e por ter consciência de que lhe faltava tempo para concretizar o ousado projeto de elevar o seu Sporting de Braga a um patamar de excelência. Por isso, apontou logo ao título nacional, e confessou-o publicamente. Na sua luta tem encontrado, porventura, muitos inimigos e poucos amigos, mas nada o faz desistir. Não se sabe se chegará tão alto quanto desejaria, mas a história revela que, garantidamente, havia um SC Braga antes de Salvador, feliz e resignado na sua dimensão regional, e há outro, com Salvador, irreverente e ambicioso, que reclama mais mundo para continuar a crescer.
Como é habitual dizer-se, esta vitória na Taça da Liga é de todos, desde o administrador ao adepto comum, mas é, principalmente, do homem que deu ao Sporting Clube de Braga notoriedade e a certeza de poder comemorar o centésimo aniversário, sem receio de desmentido, na qualidade de quarto grande do futebol português neste século. Falo de António Salvador, obviamente.
Fim da linha
Sérgio Conceição chegou ao fim da linha na sua relação com o FC Porto. Outra saída não se alcança depois daquela declaração a quente, admite-se, a seguir a mais uma final perdida na Taça da Liga, mas de absoluto despropósito, no tempo e no modo.
No tempo, por fazer pouco sentido queixar-se de tudo e de nada, de uma forma vaga, depois de ter sofrido a segunda derrota, no espaço de uma semana, com o SC Braga: a primeira, no Dragão, ampliou a desvantagem para o Benfica de quatro para sete pontos; a mais recente, no último sábado, impediu o dragão de conquistar um troféu que ainda não consta no seu imenso e riquíssimo palmarés, pelos motivos que se conhecem.
No modo, por cometer o pecado de trazer problemas internos para a discussão de rua em vez de procurar solucioná-los dentro de casa, ferindo uma política de reserva que tem sido uma das mais distintivas marcas no consulado de Pinto da Costa: primeiro resolve-se, depois comunica-se. Ora, Conceição fez exatamente o contrário: agitou a poeira, ao soprar em várias direções, e passou a bola ao presidente, ao colocar o lugar à disposição, como se isso tivesse algum significado. Teria, se anunciasse a sua demissão.
Afinal, o treinador que gosta de ver o seu nome associado a uma imagem de disciplinador implacável e de absoluta independência tem fraquezas como toda a gente e, provavelmente, sentiu necessidade do conforto presidencial, o que é normal. O problema está na forma como apelou a essa proteção e como foi apanhado pelas câmaras, agitado e perdido, no centro do relvado do estádio de Braga, de um lado para outro, à deriva.
Pinto da Costa deu-lhe um voto de confiança, assim consta. Foi a decisão mais equilibrada.