A propósito das Sporting Talks: a falar é que nos entendemos

OPINIÃO19.07.201804:00

Tenho dito e repetido amiúde ser muito importante que a família leonina dialogue com serenidade, elevação e espírito fraterno. Da discussão nasce a luz, como diz o povo e com razão. Mas a luz só nasce, rompendo as trevas, se houver um diálogo sereno e elevado. Os exemplos recentes de confrontação, de muito má memória, feitos de violência verbal e de uma famigerada linguagem bélica, polvilhada de insultos e insinuações, deram-nos demasiados frescos de puro contraste com este desejável cenário. Acabaram, porém, por realçar a necessidade desta conversão e desta nova metodologia, que urge adotar num quadro de habitualidade. A massa crítica que o Sporting possui em abundância constitui um riquíssimo manancial de recursos, garante de que o Clube possa evoluir, em permanência, adaptando-se aos desafios da modernidade, sem perder os seus elementos definidores que o tornam uma potência desportiva ímpar com perfil ético também inigualável, características de que coletivamente nos orgulhamos. Vem isto a propósito da iniciativa levada a cabo ontem mesmo, na Universidade Católica Portuguesa, designada por SPORTING TALKS.  Impõe-se, desde já, dar os parabéns aos promotores da iniciativa. Foi uma ideia excelente a que foi levada a cabo. Como é de aplaudir o facto de os debates terem sido divulgados publicamente e em direto. Isso permitiu, a quem o desejasse, conhecer o que se ia passando. Por motivos profissionais só pude estar presente no primeiro dos painéis. Mas valeu bem a pena. Ali estivemos, cerca de quarenta sportinguistas, sentados à volta de uma mesa, debatendo, de forma muito construtiva e amiga, temas de grande importância para o nosso comum amor que é o Sporting. Este texto não poderia comportar a riqueza e a variedade do que falámos. Também não tem essa pretensão. Sublinha, contudo, o exemplo de partilha que foi ali vivenciado. Será um excelente modelo a replicar em ocasiões futuras.

Tudo isto ocorreu em pleno período pré-eleitoral

Para além da devida homenagem aos promotores e aos presentes, que incluí na saudação que fiz ao usar da palavra, enfatizei outro aspeto que me parece crucial: o de devermos prosseguir por este trilho mesmo após a realização das eleições. Temos muito sobre o que falar. Alguns exemplos: as questões relativas aos estatutos, que foram objeto de algumas e significativas escoriações em tempos recentes e que precisam de ser revisitados com urgência; a específica questão da segunda volta nas eleições para os órgãos sociais; as matérias relativas à governação do clube e da SAD, encontrando as regras de convivência adequadas; a garantia da absoluta transparência e da promoção da meritocracia, através de mecanismos a implantar e a implementar gradualmente; o posicionamento estratégico a assumir pelo Sporting no quadro desportivo nacional; a problemática financeira, incluindo a relação com a banca; a proteção e o desenvolvimento da marca e a defesa dos nossos valores matriciais num quadro de internacionalização. Eis uma pequena amostragem de uma panóplia de questões que merece um tratamento cuidado, pensado no curto, médio e longo prazo, agregando contribuições de tantos sócios e adeptos quanto seja possível. Participar significa estarmos perto um dos outros. E uma forma privilegiada de nos aproximarmos, consiste, precisamente, no alargamento do debate, aproveitando os meios que estão  disponíveis nesta nossa era. Mas há mais. Implementar, de facto, o voto eletrónico e descentralizado, viabilizando que mais sócios participem nas decisões coletivas. Pensar a introdução da figura do referendo, nas modalidades consultiva e deliberativa, como meio de mobilização dos associados e instrumento de formação mais alargada da vontade coletiva. Gostaria que o próximo mandato fosse também rico na resposta ao desafio da participação. O referendo já teria dado jeito em múltiplas ocasiões e consagrá-lo seria um sinal inequívoco de modernidade e de arrojo.  Desvendarei algo mais sobre este assunto em próximas ocasiões.

A SAD e o clube: o corpo e a alma

AS chamadas sociedades anónimas desportivas, que já completaram vinte anos na sua previsão legal em Portugal, têm uma determinada lógica, que as distingue da generalidade das outras sociedades. É que só existem porque os clubes existem. Por isso nunca poderá haver antagonismo entre o clube e a sua SAD. Sendo entidades jurídicas distintas, analisam-se, porém, a meu ver, numa ligação próxima da que liga o corpo e a alma. Tendo regras jurídicas diferentes nos respetivos figurinos e nas respetivas estruturas, só podem viver em plena harmonia, sob pena de ser ver subvertida a lógica que determina a sua própria existência. Teríamos um problema ontológico que nada teria de lógico. O interesse prevalecente de uma SAD terá sempre de ser a do clube que lhe dá origem legal e sentido substancial. Por isso foram criadas as ações da categoria A. Por isso se justifica a manutenção do controlo, mediante, também, a detenção da maioria do capital. Não terá sido por acaso que foi alterada a opção inicial da lei, que vedava aos clubes, em moldes que são conhecidos, a detenção dessa maioria. Com base neste inalienável ponto de partida haverá, depois, de encontrar fórmulas de salvaguarda dos outros investidores, através de regras claras e conformes com a lei e os bons princípios. Investidores que, por seu turno, se associam ao propósito fundador que preside ao nascimento das sociedades. Aproveitarei alguns dos próximos artigos para exprimir alguns dos meus pontos de vista sobre esta coexistência em moldes mais concretos. Mas fica já expressa a filosofia de base que tem de enformar a abordagem. O clube é a razão de ser da SAD e a SAD existe para potenciar o que o clube tem como objetivo, no caso concreto, no que ao futebol diz respeito. Tal qual como aconteceria, se, para além do futebol, viessem a ser criadas sociedades anónimas desportivas votadas à prática de outras modalidades.