A primavera do andebol e a taça do inv(f)erno

OPINIÃO28.01.202003:00

1 De vez em quando, é justo e oportuno começar estas linhas por um desporto colectivo que não seja o hegemónico futebol. Desta vez, faço-o em relação ao andebol e ao hóquei em patins. No primeiro caso, por razões internacionais; no segundo, em função de expectativas nacionais.

A nível da selecção nacional de andebol, alcançámos a melhor classificação num Europeu, o sexto lugar. Bem se pode dizer que até poderíamos ter ido mais longe, mas o feito é assinalável e evidencia que Portugal já não pertence aos coitadinhos mundiais deste desporto. Vencemos a consagrada França, batemos a reputada Suécia no seu reduto, quase chegámos às meias-finais e fomos derrotados apenas nos momentos finais com a campeoníssima Alemanha para a atribuição do 5.º e 6.º lugares. Bom será que a próxima etapa de afirmação - a qualificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio - seja ultrapassada com êxito.

Já quanto ao hóquei, em que detemos o título de campeões mundiais, o que aqui gostaria de sublinhar é a vibrante competitividade do nosso campeonato nacional, certamente superior à que se passa em Espanha. Cinco equipas lutam taco a taco pelo título nacional: os habituais Benfica e Porto, o Sporting que, em boa hora, voltou à modalidade, a sempre candidata Oliveirense e, este ano, o Óquei de Barcelos que reaparece em força depois de um período em que foi uma das equipas dominadoras. Acresce que também já não é tão excepcional como era antes a perda de pontos destas equipas contra outras consideradas menos fortes.

Estas duas modalidades têm em comum uma característica que me intriga. Refiro-me à elevada dose de subjectivismo e discricionariedade referente à marcação de faltas e expulsões temporárias, que, algumas vezes, condicionam, senão mesmo determinam o resultado dos jogos. Imaginemos o que seria se, no futebol, houvesse também este arbítrio polémico entre ser falta e não ser falta. Se já agora e mesmo com VAR é o que vemos, calculo o que seria, por exemplo, andebolizando o desporto-rei…

2 Na 13.ª edição da Taça da Liga acoplada a vários nomes de patrocínio e outros de desvalorização por quem não a ganha, o FC Porto consegue chegar à sua quarta final e perde pela quarta vez. Em todas elas (contra Benfica, SC Braga duas vezes e Sporting) teve apenas um golo marcado. Bem sei que, segundo a cartilha oficial, esta taça continua a ser desinteressante, creio que até vencerem a primeira, o que está a ser bem difícil.

O SC Braga mereceu a conquista do troféu, agora apelidado algo exageradamente de campeão do Inverno. Nas meias-finais dominou completamente o Sporting, onde foi visível a diferença de plantéis, isto apesar de os leões estarem à frente dos bracarenses no campeonato nacional (por enquanto). A final teve uma excelente primeira parte e, havendo um vencedor antes dos penáltis, foi justa a conquista pelos arsenalistas.  Notáveis resultados depois da entrada do treinador Rúben Amorim. Mais um jovem que dá mostras da sua serenidade e lucidez antes, durante e depois dos jogos, não subindo os decibéis, não reclamando por tudo e por nada, sabendo analisar com justeza os encontros realizados e as equipas adversárias, e percebendo o carácter efémero dos resultados em futebol.

Aliás, registe-se a curiosidade de, para além das 7 taças do Benfica, só mesmo Rúben Amorim ter conquistado outras 7 (5 no SLB e 1 no SC Braga, como jogador e, agora, a 7.ª já como técnico).

Numa semana desastrosa, o FC Porto experimentou quase literalmente o que significa ver Braga por um canudo. Duas vezes derrotado em 8 dias, veio dar razão ao significado daquela velha expressão popular, qual seja a de «não alcançar o que se deseja, querer algo e não o conseguir, ver frustradas as expectativas, ficar logrado». Se, como disse atrás, o SC Braga é o campeão do Inverno, o Porto foi o vice-campeão do Inferno.

As declarações de Sérgio Conceição foram de natural tristeza, de inconformada frustração e de corajosa denúncia do que o atormenta no plano interno do seu clube. Previsíveis, a partir do momento em que a compulsiva e incondicional rodinha (não dentada) de jogadores, técnicos, médico, director e não sei se de apanha-bolas, não teve lugar na má relva do belo estádio da cidade de Braga. As poucas, mas significativas palavras do treinador portista, substituíram a rodinha portuguesa pela rodinha brasileira, que é uma peça pirotécnica de formato redondo, que gira quando se acende o rastilho. Aguardam-se, com natural expectativa, os próximos capítulos desta ópera bufa, com ou sem macacadas.

3 No campeonato nacional, mais um obstáculo ultrapassado pelo Benfica, vencendo categoricamente em Paços de Ferreira. Prossegue a senda vitoriosa em jogos fora de casa, alcançando a notável marca de 18 vitórias consecutivas (já acima de um campeonato completo). Nesta temporada, em 18 encontros, o Benfica venceu 17 e apenas sofreu 6 golos, ou seja um golo por cada 3 jogos.

O Benfica jogou com a maturidade que vem revelando e ganhou com a naturalidade da supremacia incontestada. A equipa respira confiança, agora que tem praticamente todos os jogadores disponíveis. Só para citar alguns atletas, Weigl entrou na equipa com a suavidade de quem parece estar há mais tempo cá, com a disciplina táctica, o rigor de passe e o sentido colectivo característicos dos bons jogadores alemães. Rafa voltou como se não tivesse saído da equipa, com velocidade e classe e, definitivamente, ultrapassando a sua anterior menor capacidade de finalização. Vinícius continua com o seu jogo vertical, letal e fisicamente poderoso. Cervi é um mouro de trabalho num vaivém constante entre a frente e a retaguarda.

Continua a saga milimétrica da verificação dos fora-de-jogo. Míseros 4 centímetros, num campo com mais de 10 500 centímetros de comprimento. Pretensamente com a precisão de simultaneidade entre o milésimo de segundo em que a bola sai do jogador assistente e a colocação da linha imaginária na posição do jogador que a vai receber. Disseram-nos que, desta vez, os 4 centímetros de invasão da linha deveram-se à omoplata de Vinícius. Qualquer dia, e num jogo bem teso, vai haver um offside de 1 centímetro por causa do falo de um jogador. Que se cuide Vinícius. Já faltou mais para se chegar a esse ridículo!...

4 Há mentiras que, de tão repetidas, quase se transformam em verdades absolutas. No futebol isso acontece, quando sistematicamente, são veiculadas por opinadores de clubes adversários. Um exemplo, ainda que agora, menos invocado: Rúben Dias, de quem muitos despeitados falam de um modo de jogar muito duro e com muitas faltas. Vejamos, porém, o que nos dizem as estatísticas dos 17 jogos (todos, portanto) em que o defesa-central benfiquista actuou na primeira volta do campeonato: a) faltas cometidas - 9 (uma média de 0,53 faltas por jogo!); b) jogos em que não fez qualquer falta - 10 (ou seja, em 59% dos jogos com folha limpa!).

Estes números são tão meridianos, que falam por si. Rúben Dias está um senhor jogador. Forte, personalizado, líder, tecnicamente seguro, posicionalmente rigoroso, bom jogo aéreo e com um jogo vertical inteligente e oportuno (vide o passe para o golo de Rafa no passado domingo). E, com o tempo e a evolução que tem feito sustentadamente, soube moderar o ímpeto dos primeiros tempos e é hoje um atleta cuja agressividade não se confunde com violência ou tendência prevaricadora. Os dados desta época assim o provam à saciedade.