À porta dos maiores da Europa!...

OPINIÃO27.11.202105:55

Depois da vitória sobre o Dormund, senti felicidade interior, serena e tranquila, que me acompanhou no caminho de regresso a casa

TENHO falado muito, sobretudo a partir do momento que Rúben Amorim assumiu o comando técnico e comunicacional do futebol profissional do Sporting, do desígnio do Visconde de Alvalade: «Queremos que o Sporting seja um grande clube, tão grande como os maiores da Europa.»

E não me tenho cansado de afirmar que o Sporting Clube de Portugal, enquanto clube, nas mais diversas modalidades, fazendo jus ao seu ADN eclético, é realmente um grande clube, tão grande como os maiores da Europa. O mesmo não podia dizer do futebol profissional do Sporting, antes e depois de o mesmo ser objeto da sociedade anónima desportiva - Sporting Clube de Portugal, Futebol SAD.

Seria, no entanto, de grande injustiça omitir a formação de futebol do Sporting, que, em resultado do esforço, dedicação e devoção de grandes sportinguistas, cumpre esse desígnio de ser tão grande, como os maiores da Europa, quando ainda foi mais longe, formando três dos melhores jogadores do mundo: Cristiano Ronaldo, Luís Figo e Paulo Futre. Decididamente, mesmo no futebol, esse desígnio está no sangue, pese embora os resultados desportivos não terem traduzido essa vocação, com excepção da vitória em 1964 na Taça dos Vencedores da Taça.

Às vezes, porém, há jogos que, independentemente de se integrarem no caminho de um título, valem por si como a tradução prática do que é um clube grande entre os maiores da Europa.

18 de Março de 1964, Sporting Clube de Portugal-Manchester United, 5-0 - cinco golos que deixaram a Europa de boca aberta eram os títulos da imprensa escrita portuguesa, descrevendo a reacção a tal triunfo. Carvalho; Pedro Gomes, Alexandre Baptista, José Carlos e Hilário; Fernando Mendes (cap.) e Géo; Osvaldo Silva, Figueiredo, Mascarenhas e João Morais - fizeram uma espectacular exibição e operaram uma inesperada reviravolta, atirando o Manchester United para fora da competição. Sob a batuta de Anselmo Fernández, um arquitecto que, tanto quanto sei, não tinha qualquer nível de treinador de futebol, todos eles foram intérpretes desse memorável jogo que está escrito nos anais do futebol europeu como uma proeza de um grande clube, tão grande como os maiores da Europa.

Nessa data, tinha apenas um ano de sócio do Sporting e estava a um mês de completar dezassete anos de idade. Confesso que nesta idade tinha a percepção de que o Sporting era realmente um grande clube, mas não a consciência do ambicioso objectivo do Visconde para lá das fronteiras de Portugal. Comemorei esse extraordinário desafio - talvez o melhor jogo que vi em toda a minha vida - com uma alegria esfuziante que culminou com a invasão do relvado do velho Estádio de Alvalade para melhor poder saltar e abraçar os adeptos que, como eu, viveram aquele momento de uma forma inesquecível. O meu Pai assistiu ao jogo na bancada central, enquanto eu o tinha feito nas bancadas dos sócios, que se situavam atrás das balizas: na primeira parte na bancada sul e na segunda na bancada norte. Quando algum tempo depois nos encontrámos para regressar a casa, demos um abraço emocionado e o meu Pai disse-me: «Acho que não volto ao futebol, porque, depois disto, já não posso ver nada melhor.» E esta é a impressão com que ficarei de um jogo de futebol. Não foi o que aconteceu e, felizmente, ainda assistiu a muitos jogos e alguns a convite meu. Na quarta-feira passada pensei muito nele. 
 

Sporting viveu memorável noite europeia, quarta-feira, com triunfo sobre o Dortmund e qualificação para os oitavos de final da Champions


24 de Novembro de 2021 - devo confessar que não me lembrei que no dia seguinte fazia anos que a democracia regressava a Portugal, depois de um desvio e desvario que então terminou, mas de que ainda hoje pagamos a fatura. Lembrei-me, sim, quando estava só, dentro do meu carro e no meio do imenso trânsito, desse triunfo histórico sobre o Manchester. Pensei - não com os pés assente no chão, mas nos pedais do carro - que o Borussia Dortmund era o líder do campeonato alemão, Bayern à parte, e que em Portugal seria não só um forte candidato ao título, como campeão várias vezes!

Mas o que não mais me saiu da cabeça foi esse jogo de 1964 e sobretudo a convicção de que o Sporting iria ter uma grande noite europeia, dando um passo que, ainda há bem pouco tempo, poucos poderiam imaginar.

Lembrei-me do arquitecto Anselmo Fernández que, repito, tanto quanto sei, não tinha qualquer curso de treinador, e, não por acaso, pensei em Rúben Amorim, que, rompendo com preconceitos e descrentes, em menos de dois anos, transportou o Sporting, até às portas da Europa do futebol. Mas não fiquei por aqui na minha antevisão, enquanto conduzia lentamente: onde esteve o Carvalho estaria o Adán; do lado direito, em vez do Pedro Gomes estaria o Pedro Porro, e, do lado esquerdo, não estaria o Hilário (nem o Nuno Mendes), mas o Matheus Reis; os centrais não seriam o Alexandre Baptista e o José Carlos, mas o Coates, o Feddal e o Gonçalo Inácio; no meio campo não haveria Fernando Mendes nem Geo, mas um Palhinha e um  Matheus Nunes (graças à dispensa de João Mário) e, na linha avançada, em vez de Osvaldo Silva, Figueiredo Mascarenhas e o João Morais, o Pedro Gonçalves, o Paulinho e o Sarabia. Não deixei obviamente de me lembrar do banco atual, com o Daniel Bragança, o Ugarte, o Esgaio e por aí adiante!...

Quando entrei em Alvalade, um pouco atrasado e ainda com todos estes pensamentos, ao ver a moldura humana, entusiasmada e vibrante, senti que a noite seria mesmo verde e branca.

Quando o jogo acabou e o Sporting viu diante de si as portas abertas para os oitavos de final, senti muito os anos que passaram desde o jogo com o Manchester: quase 58 anos, como cinquenta e oito tenho de sócio. Para lá dos abraços aos familiares que ali se sentam comigo, bem como os amigos que estão por perto, não senti o desejo de invadir o terreno, mas antes uma felicidade interior, muito serena e tranquila, que me acompanhou por todo o caminho de regresso a casa.

Senti-me realmente mais feliz do que contente, porque a felicidade é mais saborosa que a alegria do momento, porque aquela dá-nos mais esperança para o futuro e o momento, passados uns segundos, já é passado. Como o Rúben diria, o Borussia Dortmund já é passado e o futuro é o Tondela.

Mais tarde, deitado, na escuridão da noite, senti-me grato a Rúben Amorim e à sua equipa técnica e aos jogadores por me terem restituído o gosto pelo futebol: pela forma solidária e alegre com que jogam, pela sensatez e a humildade com que comunicam com os adeptos do futebol. 

E há uma característica nesta equipa que me agrada ainda mais e espero que não perca: é na hora da derrota que se conhece a grandeza de ânimo dos homens! E essa é a grande pedra de toque dum carácter. Estes leões e leõezinhos já mostraram que têm sempre ânimo para não cair e recuperar da derrota, fazendo dela apenas um degrau que se não subiu hoje para continuar a subir amanhã, com foco no topo e no sucesso.

João Bonzinho, na habitual crónica de sexta-feira, define de uma forma feliz e sintética, aquilo que penso e escrevo há muito: «No futebol não há projetos. No futebol, o projeto é a escolher do treinador. E, depois, é deixar que o treinador escolhido, faça ele próprio as suas escolhas. E, por fim, é esperar que dê certo.»

Há uma semana, dizia que pouco importava a cor do coração do Rúben Amorim, apenas me interessava o seu cérebro com foco no projeto, mas sentia que se estava a esverdear. Rúben afirmou, a seguir ao jogo, que se sentia sportinguista desde que assinou. Por mim, pode continuar a assinar, e pode crer que terei o maior prazer em lhe oferecer uma caneta cheia de ... tinta verde!