A paixão segundo Sérgio

OPINIÃO25.03.202105:05

Depois de uma noite de interminável tédio no futebol da seleção portuguesa, aproveita-se para falar de gramática que é sempre uma coisa boa de aprender

O primeiro jogo para o apuramento do Mundial de 2022 no Qatar foi tão bom que Portugal nem precisou de marcar golos para vencer. Um defesa do Azerbaijão encarregou-se do assunto, quando inadvertidamente a bola, defendida a soco pelo seu guarda-redes, lhe bateu no corpo e voltou para a baliza.
A estreia de Nuno Mendes (de início) e de Palhinha, só perto do fim do jogo, mereciam algo mais empolgante. E se de Palhinha, que ao substituir Ruben Neves só esteve em campo cinco ou seis minutos nada há a dizer, de Nuno Mendes, que alinhou desde o apito inicial, refira-se que jogou como se fosse veterano na seleção A. Não foi brilhante, mas isso nenhum português foi; mas, se destoou, foi pela positiva.
A convocatória de ambos foi um justo prémio para a Academia do Sporting e, sobretudo, para o esforço que Rúben Amorim tem feito, assim como a Direção do Sporting. Num ano como treinador, Rúben já ultrapassou todos os outros na chamada de jovens da Academia à equipa principal. O único que lhe fica à frente é Paulo Bento, que esteve quatro anos no comando da equipa. Jorge Jesus, com três anos, e todos os outros treinadores, já ficaram para trás. Se virmos pelas direções, é bom verificar que a atual, em metade do tempo, já pôs mais miúdos a jogar do que a anterior. Ao todo, foram 13 desde que Varandas tomou posse; e só nesta época já 10 formados em Alcochete jogaram na equipa principal, cinco deles com menos de 20 anos. Se como disse Aurélio Pereira, histórico da formação no Sporting, Rúben nasceu para isto, ainda bem que assim é. Todas as equipas portuguesas, e em especial o Sporting, têm de viver da formação. Já se viu, em particular este ano, que ir buscar lá fora um cesto de jogadores no valor cento e tantos milhões, não resolve grande coisa. O Benfica e Jesus que o digam. E mais, na última jornada o Sporting jogou com 10 portugueses e o Benfica com dois; e sou do tempo em que o Benfica se orgulhava de não ter jogadores estrangeiros.


DEFESA DO VERNÁCULO

Apalavra que vem diretamente do latim culto ‘vernacullu’ e que significa relativo aos escravos, ou próprio da casa, foi tendo as suas variantes e mutações (tipo vírus) e chegou até nós; não como uma pandemia, mas como uma mania. Há quem a tenha, e há quem a evite. Porém, entre os que recorrem ao vernáculo como mania, penso ninguém estar à altura do treinador do FC Porto, Sérgio Conceição, com a impressionante marca de 18 expulsões enquanto treinador, oito das quais ao serviço do Porto.
Antes de prosseguir, uma nota de simpatia: jamais esqueci o hat-trick deste homem contra a seleção alemã. Encheu-me de alegria naquela partida, já há mais de 20 anos. Claro que isso não justifica tudo, mas sempre serve de atenuante, pelos bons serviços prestados à Pátria, como dantes se dizia.
Prossigamos, pois, para o acontecimento vernacular da jornada: o Portimonense vs. Porto, que tendo terminado pela vitória por 2-1 do visitante (dois autogolos do visitado), se tornou mais conhecido pela zaragata entre os treinadores. Há muita gente a dizer que foi uma vergonha - e foi! - tanto mais que o técnico do Portimonense pediu desculpa pela contenda de que não terá sido ele o causador.
Já o do Porto veio dizer que vive os jogos de forma apaixonada. Eu acredito que sim. Mais: eu vejo que sim. Porém, sem qualquer pingo de má vontade ou ideia de provocar Sérgio Conceição, devo dizer-lhe (a idade permite-me estas coisas) que a paixão é tramada. Quantas casos de violência (nomeadamente doméstica e no namoro) se devem a paixões assolapadas? Sérgio, eu acho bonito que se ame um clube, que se o proteja, que se o defenda. Mas estar apaixonado assim dessa forma, pode ser um pouco excessivo… Eu vivi uns tempos no Sporting onde era constantemente ameaçado por pessoas - homens e mulheres - que estavam apaixonados (diziam eles) pelo clube. Sempre achei que eram mais doentes do que enamorados. E a verdade é que a tal paixão que sentiam já tinha levado alguns a ir pedir explicações com pau de marmeleiro aos jogadores; enquanto outros se dedicavam a assobiar a própria equipa, os seus dirigentes e tudo o que não fosse aquilo que eles imaginaram ser o seu grande amor: um Sporting dirigido por uma pessoa em concreto.
Por isso, caro Sérgio, não se apaixone tanto, até porque o resto das pessoas não têm culpa do seu estado de puro êxtase. Mantenha o amor, mas fuja da paixão. Ao fim e ao cabo, como no étimo da palavra, as paixões tornam-nos escravos. 


E DA GRAMÁTICA 

ENQUANTO os tribunais, comissões e o que mais for não se entendem sobre a momentosa situação de Palhinha (o que sendo extraordinário em qualquer atividade normal, tem os seus imbróglios específicos no futebol), passemos à gramática. Porém, permitam-me que explique por que razão o caso Palhinha é fácil de ajuizar: o jogador não cometeu falta mas levou um cartão que o impedia de jogar o próximo jogo (por acaso, contra o Benfica); o próprio juiz que lhe deu o tal amarelo, veio depois reconhecer que errou. Portanto, para organizações normais o caso estava arrumado: tinha sido um erro; qualquer tribunal eximiria o jogador. Mas no futebol tudo é diferente: mantém-se o cartão, mas tira-se a suspensão. E ficamos sem saber quando será suspenso o atleta. Tendo cinco cartões, agora só deverá ser suspenso ao 9º, como está no regulamento? Ou, uma vez que não foi suspenso ao 5ª (como manda o regulamento), deverá ser suspenso ao 6ª, o que não está em regulamento nenhum? Por outro lado, se a pena de um jogo de suspensão foi retirada, porque razão não se retira o cartão? Ah! Isso é mais complicado e nem eu consigo responder. Pertenço àquele número escasso de pessoas simples que diriam: se o crime não foi cometido, tanto que não há sanção, não faz sentido haver sentença condenatória. Ou seja, retira-se o cartão. Mas não pode ser por motivos que só alguns iluminados e talvez Nostradamus e o sapateiro Bandarra de Trancoso (ou seja, visionários) consigam descortinar. Mal comparado, como diz o povo, isto é como se uma sentença condenasse alguém a prisão de cinco anos; mais tarde, o juiz ou coletivo reparava que houvera um erro e dizia: a sentença que o condena mantém-se, mas a pena não se cumpre.
É possível? Ser é, mas não me parece que a justiça esteja feita por completo.
Enfim, muitas coisas destas são questões de conceito e de palavras. Lá está, voltamos à gramática.
E voltando ao grande acontecimento vernacular de Portimão, vemos que o treinador do Portimonense, a crer nas versões de trocas de palavras que por aí circulam, dá um erro comum, mas aceitável. Depois de dizer ao seu colega do Porto como deve falar com ele (e cito) “baixinho, pianinho” (e aqui vejo como há certa educação musical, uma vez que piano nas indicações das partituras significa com pouco intensidade, baixo), acrescenta (volto a citar) “que eu não sou como os outros”. Não sendo errado, ficaria melhor “porque eu não sou como os outros”. Já Conceição comete um erro, também comum, mas um pouco mais grave. Diz ele, ás tantas (e cito) “vai-te “%oo&#r” e segue-se o verbo que designa a ação. Ora manda a gramática que os pronomes reflexos estejam no verbo que indica a ação, pelo que o correto (embora pouco usado) deveria ser “vai %oo&#r-te”. Bem sei que é pouco usado, mas sempre fica o aviso. Talvez assim o castigo seja mais leve… no caso de ser possível haver castigos mais leves do que aqueles que o nosso estimado CD determina para casos como estes.


OLIVEIRA (II)

Não concordei com a tentativa de criticar Rui Rio por ter escolhido António Oliveira para candidato à Câmara de Vila Nova de Gaia. A verdade é que, tendo sido futebolista e treinador, fazendo comentários sobre futebol, não entra naquele lote de misturas entre a sua atividade e a política. Tem o Porto na alma, mas não sofre da paixão que aqui descrevo. É elegante e bem educado. Espero que a campanha o confirme, e que seja uma eleição bem disputada. Desejo-lhe por isso felicidades pessoais (sobre a política também não me imiscuo).


TEMPO 

Os treinadores portugueses reuniram-se (quase todos) e discutiram o tempo útil de jogo, entre outras coisas, como o novo modelo de Taça da Liga. Aplaudo sinceramente que se entendam nestas frentes, sobretudo que deixem de solicitar a queda dos seus jogadores e dos seus guarda-redes, como por aí se vê, com o mero objetivo de ganhar tempo.


FRANSÉRGIO

O que é justo é justo, e quase todos, senão todos, os comentadores de arbitragem acharam errado o segundo cartão amarelo a Fransérgio, no Braga-Benfica. Sem significar que o Benfica não vencesse à mesma, o jogo tomou um rumo diferente depois daquela atitude do árbitro. Mas assim, já os da Luz não se podem queixar…