A nossa crise!

OPINIÃO17.04.202004:00

A comunicação social nacional, sobretudo o setor da imprensa, aguarda, certamente preocupada, mas seguramente com expectativa, o anúncio por parte do Governo dos prometidos apoios a um setor há muito em crise.

Não é preciso muito para se compreender que a crise foi ainda mais profundamente agravada desde que foi declarado o estado de emergência no nosso País devido à pandemia, com o fecho de parte muito significativa (talvez mais de 50 por cento) dos postos de venda - reduzindo, desde logo, substancialmente as receitas das empresas editoras de jornais - e também o desaparecimento de muito do volume de publicidade.

O cenário de todos tornou-se ainda mais dramático do que já era mesmo antes desta crise mundial de saúde, particularmente devido à forte quebra nas vendas das edições em papel - sujeitas, ainda por cima, a vergonhosos e insustentáveis atos de pirataria informática… - e do crescente domínio no mercado publicitários pelos gigantes multinacionais como a Google e o Facebook.

Já não bastava, porém, todo este horizonte de dificuldades, ainda damos por nós confrontados com novos e inacreditáveis sinais tão tristemente registados num passado absolutamente indesejado, que parecem defender ainda a separação clara entre jornais de primeira (a imprensa nacional generalista) e jornais de segunda (a imprensa nacional desportiva), como se pode concluir, por exemplo, do comunicado recentemente divulgada pelo Bloco de Esquerda sobre os apoios que considera indispensáveis (ao menos isso) à comunicação social e a (confrangedora) forma de os atribuir.

Propõe o Bloco de Esquerda um modelo, cito, «de apoio às publicações jornalísticas de informação geral», as tais publicações de primeira, logo sugerindo que no caso da «imprensa desportiva e à imprensa local e regional, deverão ser estudados com o setor modelos de apoio específicos». Com esses, todos de segunda, logo se vê o que fazer, portanto.

O jornal A BOLA tem 75 anos, feitos no início deste ano. Foi durante décadas um notável e reconhecido meio de defesa da Liberdade e da luta contra a censura e contra a ditadura do Estado Novo, de defesa da língua e da cultura portuguesas, dos mais altos e nobres valores humanos através do desporto, e foi sempre reconhecidamente escrita por alguns dos mais notáveis homens da imprensa nacional e até alguns dos mais destacados nomes da literatura portuguesa.

A BOLA foi sempre, e sobretudo após os intensos fluxos de emigração dos anos 60, uma referência de união da diáspora e da língua portuguesa, e, durante décadas, o mais forte (e em muitos casos, único) elo de ligação dos emigrantes à sua Pátria.

Também por tudo isso, A BOLA acabou, já em democracia, distinguida pelo Estado português como Membro Honorário da Ordem do Infante D. Henrique e viu ser-lhe ainda atribuída a Medalha de Mérito Desportivo.

Não deveria tudo isto ser mais do que suficiente para que ninguém voltasse a ousar defender ainda a existência de jornais de primeira e jornais de segunda?

Que se possa voltar a falar num jornalismo de primeira e num jornalismo de segunda? Que se volte a deixar que uns sejam vistos como filhos e outros enteados? Que se reconheçam os primeiros como jornalistas (pelos vistos) mais respeitáveis, e os segundos como espécie de jornalistas (da escrita à imagem) que produzem os famigerados jornais desportivos?

Esse era o olhar nos tempos da outra senhora, como se os jornais a sério fossem apenas os jornais generalistas, e os jornais desportivos fossem o lixo do jornalismo - a expressão é, obviamente, minha!

Talvez devessem os deputados à Assembleia da República, e muito em particular, neste caso, os deputados do Bloco de Esquerda, ter memória e lembrar-se o que custou a luta para pôr fim ao tempo em que aqueles que escreviam nos jornais desportivos não eram sequer reconhecidos como jornalistas. Esse tempo acabou.

Jornalistas são (somos) todos os reconhecidos com o título profissional (a designada carteira), independentemente da natureza da atividade (imprensa, rádio ou televisão) e da área de trabalho (política, desportiva, económica, social ou cultural).

Jornais equiparados são, evidentemente, todos os de circulação nacional, generalistas ou não, e deveriam os eventuais apoios do Estado (financeiros ou outros) estar, entre outras coisas, de acordo com a dimensão e implantação de cada um.

De cariz mais específico, serão, naturalmente, todos os jornais de circulação regional ou mesmo mais local. Todos contribuem para uma sociedade mais saudável e livre e para uma democracia mais pluralista, consciente, informada e escrutinada. Todos.

Veremos, em nome de um Estado coerente e justo, o entendimento que o Governo terá de tudo isto!

PS - Foi, na verdade, preciso lutar muito para que os jornalistas da área do desporto passassem a ser reconhecidos em Portugal como jornalistas iguais a todos os outros que escreviam sobre todas as outras coisas da vida, e bem se lembrarão de tudo isso e do que sofreram todos aqueles que ainda cá estão para contar a história e para não nos deixar esquecê-la. Temos, pois, o dever de impedir que o tempo volte para trás. Nem que seja por isso!

Vamos lá, então, aligeirar agora a coisa e falar de futebol, até para aliviar a carga emocional provocada pela maior crise da nossa história de vida.

Falar de futebol é, evidentemente, falar das saudades que temos do futebol, mas é também falar de como deve regressar o futebol e de como deve o futebol aproveitar o momento para se repensar como indústria de espetáculo, mas também como competição desportiva.

Cá, como lá por fora são, naturalmente, ainda muitas as perguntas e muito poucas, ou nenhumas, as respostas. Conseguirão as diferentes Ligas europeias concluir ainda as épocas interrompidas em março? E, se apostarem nisso, como fazê-lo? Em que condições? Com que exigências?

No caso de Portugal, a principal Liga tem 10 jornadas por realizar, ao todo, 90 jogos, portanto. Se os fizer - cá, como lá fora - é, naturalmente, garantido que os fará sem público, à porta fechada, e bem fechada, bem vigiada, bem fiscalizada, bem controlada, e o mais rigorosamente protegida que for humanamente possível.

É preciso lembrar, porém, que no caso dos jogos que envolvam qualquer das equipas dos chamados grandes, é preciso controlar e fiscalizar no interior do estádio, mas também fora, para evitar que se aglomerem, no exterior, a quantidade de adeptos que possa tornar a situação num assustador e incontrolável problema.

Certo é que se a Liga portuguesa quiser realmente atribuir ainda esta época o título de campeão nacional terá de o fazer permitindo que as equipas joguem, se não os 90 jogos, pelo menos os suficientes para que as equipas envolvidas na luta do título possam ter legitimidade desportiva para reclamar o troféu, e as equipas envolvidas na luta pela sobrevivência na Liga principal ganhem o direito de não serem despromovidas. Sem se jogar, não pode haver campeão! Nem pode haver condenados à descida. Isso tem de ser incondicional. Se não se jogar, apaga-se esta época da história.

Quanto às regras a seguir para indicar quem vai jogar na UEFA em  2020/2021, o cenário será simples se vierem a jogar-se o todo ou parte do que está por jogar. Vão às competições da Europa os que conquistaram esse direito no campo.

No caso de não voltar a jogar-se (e esse será o pior cenário) alinho pelo diapasão do que já neste jornal deixou escrito o meu camarada José Manuel Delgado.

Parecem, pelo menos assim à primeira vista, ser três as hipóteses:

- se a época for considerada inexistente, seguem para as duas competições da UEFA os clubes definidos pelos parâmetros que resultaram da época anterior (2018/2019);

- segue-se a classificação à data da interrupção deste campeonato;

- definem-se os representantes de acordo com o ranking de clubes da UEFA.

Em qualquer caso, dificilmente se poderão esperar decisões unânimes ou sem polémica, sobretudo tendo em conta o clima absolutamente impróprio - para não lhe chamar outra coisa - em que tem decorrido a principal competição de futebol em Portugal, tão desgastada, saturada e extenuada pelas guerras entre os três principais clubes nacionais, à volta dos quais - sobretudo Benfica e FC Porto - tudo, mas absolutamente tudo, tem continuado, infelizmente, a girar.